LUANDA-Para além de cabo-verdianos, o espaço recebe visita de angolanos, naturalmente, portugueses, brasileiros e outras tantas nacionalidades.
Em Luanda, uma vez por semana, gente dos quatro cantos do mundo, porque esta é hoje uma cidade cosmopolita, junta-se num pequeno quintal, rodeado de mesas e cadeiras de plástico. Todos vão por um motivo: viajar até Cabo Verde, sem sair de Angola.
São 22 horas. Na rádio, o locutor anuncia a hora certa. É sexta-feira o último dia útil da semana que os angolanos chamam de "dia do homem". O carro cruza a relativamente descongestionada marginal, a uma velocidade que só o avançar da hora permite. Se seguirmos em frente, chegamos à Ilha do Cabo. Não vamos tão longe. O destino é a Chicala.
Como em tantas ruas de Luanda, a estrada - esburacada - por onde seguimos, está ladeada de vivendas e casebres. A capital angolana é uma cidade de fortes contraste e não há nenhum motivo para que o bairro que nos recebe por uma noite seja diferente.
A proximidade do mar torna a Chicala um óptimo spot para comprar peixe fresco. Mas não é pelos restaurantes improvisados que o carro tenta sobreviver ao rigor da picada. A referência há muito que circula no ‘mercado informal': em Luanda, há um quintal, onde às sextas-feiras é fácil imaginarmo-nos em Cabo Verde.
Mas não é só de cabo-verdianos que vive o apertado espaço. Também lá estão, estávamos prestes a descobrir, angolanos, portugueses, brasileiros e uma ou outra nacionalidade mais difícil de identificar. São 22h30, quando confrontamos com a casa, e a quantidade de carros parados à porta deixa antever que a noite vai animada. E vai mesmo.
O tio Jorge é o músico residente. Ele e os seus acompanhantes marcam o compasso da noite que se repete todas as semanas. As mornas, que maioritariamente se ouve, entusiasmam ou emocionam os espectadores que, em alguns casos, mesmo sem perceber a letra, ficam contagiados pela cadência da melodia.
Como tínhamos previsto, as mesas estão todas ocupadas. Algumas cadeiras dispersas, ainda por preencher, parecem dizer que, no quintal cabo-verdiano da Chicala não há lugar para formalismos. "Se não queres ficar de pé, senta-te onde houver lugar", diz um dos clientes.
António Lucas é angolano, tem 43 anos, e está sentado à mesa com mais quatro ‘kambas', o mwangolé para amigos. "Não venho cá muitas vezes, mas sempre que consigo passo aqui pelo quintal". Gosta do ambiente "descontraído", da música "de primeira" e das pessoas "de todas as nacionalidades".
A noite é quase um sarau cultural. A banda dá o tom, mas não há quem resistia a não dar largas ao talento - mais ou menos evidente. Pelo palco, também ele de improviso, passam com frequência artistas de ocasião, cabo-verdianos com saudades de casa, e músicos que moram ou estão de passagem por Luanda. "Carlitos Vieira Dias já tocou aqui". Quem o diz é um brasileiro. Marcus, em Luanda há 2 anos, diz que o quintal cabo-verdiano é, "de longe", o melhor sítio para se ouvir música na capital angolana.
Jorge Jesus é português. "Não faça confusão com o treinador do Benfica", avisa. As diferenças físicas são por demais evidentes e, não há como confundir. É um habitué da casa. "Eu já não sou nenhum garoto e não tenho paciência para as confusões das discotecas, então venho aqui, pelo menos uma vez por mês".
Em cima das mesas as invariáveis garrafas de Cuca. A "melhor cerveja de Angola", assim se apresenta ao cliente, é uma constante em todas as festas da terra e não haveria de ser excepção na Chicala.Natalina Reis, tem pouco mais de 30 anos - "não lhe vou dizer a minha idade exacta" - é cabo-verdiana, de Santo Antão, e está no quintal "pela primeira vez". Primeira, mas não a última. "Estou a adorar. Já tinha ouvido falar disto, mas nunca pensei que fosse assim. Soubesse eu, já cá tinha vindo há mais tempo". A música que se faz ouvir não deixa espaço para grandes diálogos, mas a breve troca de palavras ainda chega para se perceber que Natalina veio para Luanda "depois de ter acabado o curso em Lisboa. "Estudei direito e vim para Angola tentar fazer qualquer coisa na área". Não chegamos a saber se conseguiu.
A conversa é interrompida porque a plateia irrompe em entusiasmados aplausos. Ouvem-se os primeiros acordes de um sucesso de Cesária Évora e a hora não é para responder a perguntas de um jornalista curioso.
Terminada a música, nova explosão de palmas e o ambiente retoma à normalidade das conversas paralelas, das gargalhadas e das Cucas.
O quintal cabo-verdiano é um laboratório artístico. Inesperados valores e certezas da música cruzam-se ao ritmo do inesperado. Porque é mais fácil estar lá, do que contar como foi, o encontro fica marcado para sexta, à hora do costume, no sítio de sempre.
Um outro "quintal"
A poucos quilómetro do quintal da Chicala fica a Esplanada do Miramar, gerida pela mãe - cabo-verdiana - da Top Model internacional, Karina Silva.
Todas as quintas-feiras, o espaço, que outrora serviu de apoio a um dos mais fervorosos cinemas da capital angolana, recria noites de ambiente crioulo. Um palco, músicos de diferentes origens e a bandeira de Cabo Verde, hasteada aos olhos de todos, em noites, também elas, sempre muito concorridas.
Em Luanda, uma vez por semana, gente dos quatro cantos do mundo, porque esta é hoje uma cidade cosmopolita, junta-se num pequeno quintal, rodeado de mesas e cadeiras de plástico. Todos vão por um motivo: viajar até Cabo Verde, sem sair de Angola.
São 22 horas. Na rádio, o locutor anuncia a hora certa. É sexta-feira o último dia útil da semana que os angolanos chamam de "dia do homem". O carro cruza a relativamente descongestionada marginal, a uma velocidade que só o avançar da hora permite. Se seguirmos em frente, chegamos à Ilha do Cabo. Não vamos tão longe. O destino é a Chicala.
Como em tantas ruas de Luanda, a estrada - esburacada - por onde seguimos, está ladeada de vivendas e casebres. A capital angolana é uma cidade de fortes contraste e não há nenhum motivo para que o bairro que nos recebe por uma noite seja diferente.
A proximidade do mar torna a Chicala um óptimo spot para comprar peixe fresco. Mas não é pelos restaurantes improvisados que o carro tenta sobreviver ao rigor da picada. A referência há muito que circula no ‘mercado informal': em Luanda, há um quintal, onde às sextas-feiras é fácil imaginarmo-nos em Cabo Verde.
Mas não é só de cabo-verdianos que vive o apertado espaço. Também lá estão, estávamos prestes a descobrir, angolanos, portugueses, brasileiros e uma ou outra nacionalidade mais difícil de identificar. São 22h30, quando confrontamos com a casa, e a quantidade de carros parados à porta deixa antever que a noite vai animada. E vai mesmo.
O tio Jorge é o músico residente. Ele e os seus acompanhantes marcam o compasso da noite que se repete todas as semanas. As mornas, que maioritariamente se ouve, entusiasmam ou emocionam os espectadores que, em alguns casos, mesmo sem perceber a letra, ficam contagiados pela cadência da melodia.
Como tínhamos previsto, as mesas estão todas ocupadas. Algumas cadeiras dispersas, ainda por preencher, parecem dizer que, no quintal cabo-verdiano da Chicala não há lugar para formalismos. "Se não queres ficar de pé, senta-te onde houver lugar", diz um dos clientes.
António Lucas é angolano, tem 43 anos, e está sentado à mesa com mais quatro ‘kambas', o mwangolé para amigos. "Não venho cá muitas vezes, mas sempre que consigo passo aqui pelo quintal". Gosta do ambiente "descontraído", da música "de primeira" e das pessoas "de todas as nacionalidades".
A noite é quase um sarau cultural. A banda dá o tom, mas não há quem resistia a não dar largas ao talento - mais ou menos evidente. Pelo palco, também ele de improviso, passam com frequência artistas de ocasião, cabo-verdianos com saudades de casa, e músicos que moram ou estão de passagem por Luanda. "Carlitos Vieira Dias já tocou aqui". Quem o diz é um brasileiro. Marcus, em Luanda há 2 anos, diz que o quintal cabo-verdiano é, "de longe", o melhor sítio para se ouvir música na capital angolana.
Jorge Jesus é português. "Não faça confusão com o treinador do Benfica", avisa. As diferenças físicas são por demais evidentes e, não há como confundir. É um habitué da casa. "Eu já não sou nenhum garoto e não tenho paciência para as confusões das discotecas, então venho aqui, pelo menos uma vez por mês".
Em cima das mesas as invariáveis garrafas de Cuca. A "melhor cerveja de Angola", assim se apresenta ao cliente, é uma constante em todas as festas da terra e não haveria de ser excepção na Chicala.Natalina Reis, tem pouco mais de 30 anos - "não lhe vou dizer a minha idade exacta" - é cabo-verdiana, de Santo Antão, e está no quintal "pela primeira vez". Primeira, mas não a última. "Estou a adorar. Já tinha ouvido falar disto, mas nunca pensei que fosse assim. Soubesse eu, já cá tinha vindo há mais tempo". A música que se faz ouvir não deixa espaço para grandes diálogos, mas a breve troca de palavras ainda chega para se perceber que Natalina veio para Luanda "depois de ter acabado o curso em Lisboa. "Estudei direito e vim para Angola tentar fazer qualquer coisa na área". Não chegamos a saber se conseguiu.
A conversa é interrompida porque a plateia irrompe em entusiasmados aplausos. Ouvem-se os primeiros acordes de um sucesso de Cesária Évora e a hora não é para responder a perguntas de um jornalista curioso.
Terminada a música, nova explosão de palmas e o ambiente retoma à normalidade das conversas paralelas, das gargalhadas e das Cucas.
O quintal cabo-verdiano é um laboratório artístico. Inesperados valores e certezas da música cruzam-se ao ritmo do inesperado. Porque é mais fácil estar lá, do que contar como foi, o encontro fica marcado para sexta, à hora do costume, no sítio de sempre.
Um outro "quintal"
A poucos quilómetro do quintal da Chicala fica a Esplanada do Miramar, gerida pela mãe - cabo-verdiana - da Top Model internacional, Karina Silva.
Todas as quintas-feiras, o espaço, que outrora serviu de apoio a um dos mais fervorosos cinemas da capital angolana, recria noites de ambiente crioulo. Um palco, músicos de diferentes origens e a bandeira de Cabo Verde, hasteada aos olhos de todos, em noites, também elas, sempre muito concorridas.
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