domingo, 29 de novembro de 2009

CV(EXPRESSO):Ex- MNE defende melhor tratamento à emigração (parte 2)


Dando seguimento à entrevista de Jorge Carlos Fonseca, à Rádio Atlântico, nesta segunda parte o entrevistado debruça sobre o papel dos diplomatas, da emigração e quase sugere um ministerio para os emigrantes e não deixa de falar da Parceria Especial com a Uniao Europeia.
Falando do funcionamento das nossas Embaixadas ou Postos Consulares, para nós que vivemos fora de Cabo Verde ficamos com a impressão de que o que se faz nesses serviços é algo meramente administrativo por parte de embaixadores ou cônsules. Uma sub pergunta tem a ver com diplomatas que vão para o Governo e depois voltam para o seu posto. Para muitos é algo eticamente reprovável.
O Senhor que foi Ministro dos Negócios Estrangeiros, é político, podia tecer breves considerações sobre o que acabei de dizer?
É um problema interessante e um pouco complexo. Eu tenho uma experiência como Ministro dos Negócios Estrangeiros durante alguns anos, porém, a minha experiência nos negócios estrangeiros é muito mais larga. Logo a seguir à independência fui Director Geral para a Emigração e Serviços Consulares e depois fui Secretário Geral dos Negócios Estrangeiros, portanto, conheço mais ou menos os Negócios Estrangeiros.
Eu lembro-me de que, quando formamos governo em 1991 eu era Ministro dos Negócios Estrangeiros e tinha a tutela também das Comunidades, havendo também um Secretário de Estado. Mas sempre tive reservas sobre a adequação daquele esquema institucional, e eu, no governo na altura, sempre batalhei para que fosse diferente. Sempre achei que a estrutura tradicional de um Ministério dos Negócios Estrangeiros é pouco adequada para dar respostas eficazes aos problemas que a emigração coloca.
Porquê?
Porque normalmente os diplomatas que nós temos não estão preparados para esse tipo de trabalho. Os diplomatas estão mais preparados para as questões da cooperação, para a diplomacia política e técnica, para terem contactos com os ministérios dos negócios estrangeiros dos países onde estão colocados, para participarem em conferências mais de ordem política, e sobretudo, não estão devidamente preparados para dialogar, visitar as comunidades, e não estão virados, por exemplo, para tarefas como as de visitas a bairros sociais onde residem cabo-verdianos para resolver os problemas dos emigrantes, portanto, sempre defendi uma estrutura governamental própria para a emigração que podia estar articulada formalmente com os Negócios Estrangeiros ou não, isto é, uma coisa é a diplomacia e outra são estruturas próprias para defender e resolver os problemas da emigração...
Está a defender um ministério especifico para a Emigração?
Sim. Sempre defendi um ministério à parte para a emigração, ainda que tenha a consciência de que o problema não se resolve só com isso, como se fosse uma varinha mágica. Mas era preciso resolver o problema dos serviços consulares.
Se dependia dos ministérios dos Negócios Estrangeiros ou do ministério da Emigração e Comunidades ou se criava algo horizontal, uma articulação entre os dois Ministérios.
Repare que um ministério da Emigração teria que ter quadros preparados para isso, como por exemplo, técnicos do serviço social, sociólogos, psicólogos, pedagogos, pessoas mais preparadas para trabalharem com os nossos emigrantes.
Voltando à sua pergunta sobre se os Diplomatas devem participar no Governo. Eu diria que não o vejo com bons olhos, como princípio. Um diplomata tem uma função nobre, complexa e difícil que exige alguma dedicação à causa pública: digamos, é um servidor do Estado. Portanto, deve ter condições independemente do governo que está no poder, para servir um governo ou outro tranquilamente sem problemas nenhuns.
Quando se tem um peso muito relevante de pessoas que estão nas embaixadas e consulados muito ligados a um determinado governo, até digamos, com estatuto partidário, isso complica muito as coisas. Por exemplo, durante os processos eleitorais anteriores houve muitos casos de queixas em como a organização de processos eleitorais conduzidas pelas embaixadas ou consulados padecia de partidarização, de parcialidade, houve queixas de condução de processos de forma pouco transparente, pouco igualitária. São coisas que temos que evitar. É preciso ter regras bem claras para as chefias dos postos diplomáticos e dos serviços consulares.
O diplomata deve ter uma carreira de forma organizada, de forma que possa ter alguma autonomia em relação ao poder político. Não se pode dizer que a pessoa não possa ter opção, normalmente em, é humano e normal que tenha, contudo, a diplomacia exige pessoas que mesmo tendo alguma opção política não estejam atreladas a um ou outro executivo, consoante o voto popular em um ou outro acto eleitoral.
Há certa crítica também de que os diplomatas são um pouco "preguiçosos" no tocante à valorização profissional. Licenciam-se e depois não fazem mais formações transformando-se em meros administrativos. Teve essa sensação quando foi ministro?
É evidente que isso é um juízo precipitado se generalizarmos. Possivelmente há pessoas que se dedicam muito e que estudam, mas há outros que se acomodam. É preciso que haja uma liderança nos negócios estrangeiros que promova a formação, a reciclagem dos quadros. Se o próprio Estatuto não prevê que as pessoas sejam promovidas pelo mérito mas apenas pelo tempo de serviço, é claro que as pessoas acomodam-se, porque passados 3, 4 ou 5 anos passam para outro nível diferente. Portanto, deve haver uma carreira que estimule as pessoas para a progressão na carreira e sobretudo para se adaptarem aos tempos novos, isto é, temos diplomatas que se formaram no tempo da independência ou em 1990 por exemplo, que podem não estar actualizados. O mundo mudou, evoluiu e aos diplomatas hoje exige-se que tenham outros conhecimentos, têm que ter formações em várias áreas como por exemplo a economia, ciência política, relações internacionais, direito internacional, etc.
A tal especialidade de que falou anteriormente também para a área da Justiça...
Sim tem que haver especialização crescente.
A Parceria Especial entre Cabo Verde e a União Européia pode um dia fazer que Cabo Verde chegue muito "perto ou mesmo entrar na União Europeia". Queria ouvir a sua opinião como um expert da área jurídica.
Eu penso que é uma questão de trabalho. É uma questão de imaginação e de acompanhar o progresso da UE e também que a UE veja os progressos do Estado de Cabo Verde em aproveitar as oportunidades que oferece essa Parceria.
Temos várias vias para chegarmos onde disse. Há por exemplo a possibilidade de lá chegar através de relações institucionais e de cooperação. A Associação dos Municípios de Cabo Verde e as Organizações dos Municípios da União Europeia. Pode ser pela via das relações de Cabo Verde com outros arquipélagos que fazem parte da União Europeia.
Eu não sei se chegaremos a entrar na União Europeia, parece complicado mas talvez se formos um bom aluno, se trabalharmos bem, aproveitando todas as competências que temos, se tivermos capacidade imaginativa, podemos chegar a um patamar muito elevado nessa parceria com a União Europeia que nos faça ter uma relação extremamente privilegiada e de muita proximidade com a União Europeia
EXPRESSO DAS ILHAS-Por Norberto Silva

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