segunda-feira, 23 de novembro de 2009

CV(EXPRESSO.CV):Verdades simples sobre a economia cabo-verdiana- Por Paulo Monteiro Jr



PRAIA-A principal característica da economia cabo-verdiana no corrente ano é a não satisfação do objectivo de estabilidade macroeconómica. Os "critérios de performance" standard indicam claramente que os fundamentais da economia estão "off-track". De acordo com a informação disponível (OE-2010, FMI: World Economic Outlook), o processo de degradação da situação actual intensificar-se-á em 2010.
O crescimento económico anémico é acompanhado de um desemprego massivo (em média, cerca de 22%) e, quase um em cada dois jovens encontra-se desempregado. Os défices gémeos orçamental e da balança de pagamentos são abissais e insustentáveis.
No que respeita à dívida pública, a assumida mais a disfarçada, o seu rácio em relação ao PIB aproxima dos 80 por cento, o que é muito preocupante tendo em conta o "sustainability gap". De notar que, o "sustainability gap" mede o esforço de ajustamento do saldo primário necessário para respeitar a restrição orçamental intertemporal.
O défice orçamental para o corrente ano ultrapassa o valor inicialmente previsto pelo Governo e as projecções mais recentes apontam para um défice público de 10.6 % do PIB. De notar que, as necessidades de financiamento do sector público (NFSP) (Public Sector Borrowing Requirement, PSBR) são superiores ao défice orçamental. A diferença entre o défice orçamental e as NFSP deve-se a operações diversas, nomeadamente operações de Tesouraria não incluídas no Orçamento do Estado. Estas são essencialmente as dotações do Estado a empresas públicas e ajustamentos de período complementar - (regularização das contas do ano anterior no ano corrente deduzidas das contas que transitam para o ano seguinte).
Caro leitor, nas vésperas de eleições legislativas as NFSP traduzem melhor a evolução dos resultados negativos das finanças públicas do País do que o elevado défice orçamental de 11.8 por cento do PIB previsto no OE - 2010 (quase quatro vezes o valor de referência para o défice no quadro do Acordo de Cooperação Cambial !).
As empresas públicas (e.g., ELECTRA, TACV) agravam as necessidades de financiamento do sector público administrativo (SPA) e a dívida pública. Estas empresas públicas acarretam dois tipos de custos para a economia cabo-verdiana:
(i) Custos implícitos que resultam de ineficiências do seu funcionamento, nomeadamente as que se traduzem em obstáculos à concorrência bem como em preços mais elevados e qualidade inferior à que um sector privado concorrencial poderia praticar. Estes custos implícitos destas duas empresas públicas de sectores chave da economia constituem uma variável importante do ponto de vista da competitividade da economia cabo-verdiana. O seu peso relativo no índice do preço do output de uma indústria/serviço qualquer é importante. De notar que o índice de preço do output é uma média, ponderada pelos coeficientes técnicos do ano de base, dos índices de preço dos inputs (domésticos e importados) e do valor acrescentado do sector.
(ii) Custos explícitos, resultantes de prejuízos e injecções de capital cobertos pelo orçamento do Estado.
No caso específico de Cabo Verde, o rácio demasiado elevado do défice orçamental implica automaticamente um défice gigantesco da conta corrente da balança de pagamentos. De acordo com o Fundo monetário internacional (FMI), em 2009, o défice da conta corrente atinge o valor sem precedentes de 24.802 milhões de escudos, o equivalente a 18.5 % do PIB, o que representa um aumento de 6.1 p.p. do PIB face ao ano anterior. Para 2010, o FMI aponta para um défice da conta corrente em percentagem do PIB de 15.4 %.
Com a diminuição substancial do investimento directo estrangeiro, grande parte deste défice é financiado por empréstimos externos. Daí resulta o significativo aumento da dívida externa do País. De notar que, o Governo não tem recorrido à Facilidade de crédito previsto no Acordo de Cooperação Cambial (ACC) firmado com o Governo português. Assim, desde o começo desta 2ª legislatura, o Governo de José Maria Neves não tem financiado o défice externo através de Saques sobre a Facilidade do ACC.
Pela sua importância, é de destacar o agravamento da Posição externa líquida devedora de Cabo Verde que reflecte a manutenção de um demasiado elevado défice entre poupança e investimento internos. De facto, o substancial recurso à poupança externa para satisfação das necessidades de financiamento do Governo tem levado a que a posição de investimento internacional da economia cabo-verdiana se tenha tornado progressivamente devedora. De notar também que não obstante o aumento substancial de desembolsos de empréstimos ao SPA, passando de 5204 milhões de escudos em 2008 para 12752 milhões em 2009, as reservas oficiais em meses de importação diminuíram para 3.8 meses contra 4.2 meses verificado em 2008.
Em suma, entrámos na crise internacional com a nossa crise. Vamos sair com a parte nacional da crise agravada com um problema de saúde pública (epidemia da Dengue), com o espectro de repercussões negativas duradouras sobre o sector do turismo e mais endividados.
É imperativo para um novo Governo a correcção dos desequilíbrios das finanças públicas no médio prazo porque os riscos de insustentabilidade podem ter efeitos particularmente adversos sobre as condições de financiamento do País. Ou seja os bancos internacionais vão cobrar juros mais elevados ("spreads), subindo o custo de financiamento da economia e estarão dispostos a emprestar menos.
Para equacionar e impulsionar uma estratégia de saída da crise e colocar o País numa rota de desenvolvimento (uma orientação clara da economia para os mercados externos), um novo Governo deve adoptar e testar as opções (por exemplo, um esforço de ajustamento razoável a curto/médio prazo) para o retorno a uma trajectória de consolidação orçamental, ser capaz de fazer emergir factores de atractividade para o investimento nacional e internacional, racionalizar o sector empresarial do Estado (melhor intervenção), e uma aposta na competitividade e no relançamento da iniciativa privada.
Expresso das Ilhas.Sapo.CV-Por Paulo Monteiro Jr

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