sexta-feira, 27 de novembro de 2009

CV(EXPRESSO):O TRILEMA DO ORÇAMENTO-OLAVO CORREIA


PRAIA-A proposta de orçamento do Estado para 2010 retrata, de forma clara e fiel, uma matriz ideológica: mais Estado e menos sociedade; mais sector público e menos sector privado; mais reciclagem da ajuda pública e menos produção e competitividade e mais partido e menos meritocracia na Administração Pública. É uma opção legítima. Ela vem, contudo, empurrando o País para falhanços nas metas emblemáticas e essenciais de crescimento económico a dois dígitos e de redução de desemprego a um dígito, fustigando as famílias e as empresas.
Este ano e o próximo serão difíceis, também, para Cabo Verde. O mundo está a mudar e Cabo Verde tem de mudar, abraçando novos paradigmas de desenvolvimento. Já dizia Charles Darvin que não é a espécie mais forte que sobrevive, nem a mais inteligente, mas a que melhor se adapta à mudança.
A economia mundial, de acordo com as últimas previsões do FMI, deverá conhecer uma recessão na ordem dos 1.1%, em 2009. Em 2010, ela poderá crescer na ordem dos 3 %. Contudo, as economias dos principais parceiros económicos de Cabo Verde, nomeadamente dos países da área do Euro, deverão crescer na ordem dos 0.3% e o Reino Unido deverá atingir os 0.9%. Será uma recuperação económica demasiado frágil ainda para não dizer incerta. O vento não sopra de feição para Cabo Verde.
É neste cenário difícil e de crise que o orçamento para 2010 nos apresenta um "trilema": uma economia em declínio e endividada, um Estado pesado e, por vezes, opressor e uma sociedade desigual.
Depois de Cabo Verde ter crescido 11%, 7.8% e 5.9% em 2006, 2007 e 2008, respectivamente, dados do FMI apontam para uma previsão de crescimento de 3.5% em 2009 e 4% em 2010, muito abaixo do crescimento potencial que se situa entre 5 a 7%, deixando mais de 35 mil cabo-verdianos fora do ciclo de produção, mesmo com a injecção permanente do investimento público que passou de 13.963 milhares de contos, em 2007, para 31.015 milhares de contos estimados para 2010, cerca de 20% do PIB. Os indicadores de clima económico e de confiança têm batido mínimos históricos. A procura interna desacelera-se, nomeadamente o consumo e o investimento privados, com destaque para o investimento directo estrangeiro. O número de hóspedes nos estabelecimentos hoteleiros caiu na ordem dos 2.8%, no primeiro semestre de 2009, consolidando a tendência de decréscimo que começou em 2005, atingindo valores de 26.4%, 20.1%, 11.5% e 6.5% em 2005, 2006, 2007 e 2008, respectivamente. O que é verdadeiramente importante é o desenho de uma estratégia para contrariar estas tendências ao invés de tentativas justificativas infrutíferas.
Temos de construir um cluster do turismo, tendente a captar o maior volume de receitas por chegadas que atinge, em Cabo Verde, 500 euros, um patamar muito abaixo de vários Países Africanos como as Seychelles, Maurícias, África do Sul, Tanzânia e Ilhas Reunião. O País tem de inovar, produzir e exportar serviços e bens, pois este último, hoje, nem chega a 2% do PIB. Urge, por isso, uma estratégia compreensível de promoção da produção, da competitividade e das exportações, conquistando novos mercados e novos nichos de negócios. Esta proposta de orçamento devia ser portadora deste desígnio e de medidas tendentes a melhorar o rating, o risco País e o ambiente de negócios. O "Ease of Doing Business - Global Rank" do Banco Mundial coloca Cabo Verde, nos últimos três anos, entre a posição 143 e 146. Cabo Verde detém a vigésima posição de entre 46 Países africanos. Um aluno mediano. Cabo Verde tem de poder aspirar ser dos cinco melhores em África e dos 50 melhores no mundo, reformando o Estado e colocando a Administração Pública ao serviço do sector privado que precisa de fundos de capital de risco, fundos de garantia e de recuperação de empresas para o seu desenvolvimento.
O País tem de ganhar a batalha da competitividade. Desde logo, da competitividade fiscal. A baixa fiscalidade deve estar alicerçada na tributação de rendimentos a uma taxa "flat" de 15%, com tendência decrescente, na eliminação do princípio "ad valorem", no estabelecimento de uma rede de acordos para evitar a dupla tributação, na manutenção da tributação sobre a despesa e na necessária racionalização dos incentivos fiscais.
Os incentivos fiscais presentes nesta proposta de orçamento direccionados, cirurgicamente, para as famílias representam uma renúncia fiscal na ordem dos 100.000 contos, cerca de 0.1% do PIB, contribuindo com apenas 83 escudos por mês para o aumento do rendimento disponível. Uma insignificância.
Estamos perante um Estado pesado e, por vezes, opressor. A despesa global deve passar de 41.767 milhares de contos, em 2008, cerca de 32% do PIB, para 61.913 milhares de contos, em 2010, cerca de 41% do PIB. Um verdadeiro iceeberg fiscal". O saldo global deve passar de 9 do PIB %, negativos, em 2009, para 12% do PIB, negativos, em 2010. O Estado está gordo, partidarizando a Administração Pública e, não raras vezes, intimidando e perseguindo as empresas.
Cabo Verde conhece um aumento do endividamento e da dependência da poupança externa.Com uma balança corrente a atingir valores negativos na ordem dos 17.6% do PIB e perante uma redução do Investimento Directo Estrangeiro, a dívida externa tem de crescer. Ela atingiu níveis de crescimento da ordem dos 9% do PIB, em 2009 e a previsão de crescimento para 2010, é de 10% do PIB. É a solução encontrada para evitar a deterioração da posição externa de Cabo Verde. O endividamento interno líquido que era de 1.5% do PIB, em 2009, deve passar para 2.5% do PIB, em 2010, podendo vir a ultrapassar o limite dos 3%, quando o orçamento for rectificado, incluindo nomeadamente a contrapartida do Estado para o financiamento do pacote "Casa para Todos" (entre 0.7 e 1.4% do PIB). O stock da divida pública global incluindo a dívida contingente deve ultrapassar os 85% do PIB. Quando, em breve, for contabilizado os 200.000.000 de euros de divida a ser contratada no quadro do programa "Casa para Todos", a dimensão da dívida pública poderá vir a ser igual ao PIB. Esta é a factura que a economia está a receber dos excessos da despesa pública.
Cabo Verde está cada vez mais desigual. O desemprego, de acordo com uma análise cruzada dos dados do inquérito do IEFP de 2008, atinge valores acima dos 23%. O desemprego jovem é de cerca de 46%, sendo Santiago e São Vicente as ilhas mais afectadas. A taxa de desemprego dos jovens urbanos é o dobro da dos jovens rurais. Os números do desemprego são, sob todas as perspectivas, muito preocupantes, criando uma grave situação de pobreza e de falta de perspectivas. O Inquérito ao Emprego pode ser, assim, apenas uma pálida imagem da grave situação que se vive no País.
Os indicadores de qualidade de vida como a origem da água por Ilha, o tipo de energia para a iluminação, o tipo de energia para a preparação de alimentos, a evacuação das águas residuais e a existência de casa de banho, apontam para fortes disparidades entre regiões e Ilhas. São Vicente, Sal e Praia urbano, por ordem decrescente, são os pontos com melhores indicadores.
Presumo que nenhuma das componentes do trilema - uma economia em declínio e endividada, um Estado pesado e, por vezes, opressor e uma sociedade desigual - é combatida, forte e eficazmente, no Orçamento para 2010. Em vésperas de um ano eleitoral, poucos se preocupam com a necessária estratégia orçamental para 2011. Resta a esperança, "o sonho do homem acordado", nas palavras de Aristóteles.
EXPRESSODASILHAS.SAPO.CV-Por Olavo Correia

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