Reeleito em Outubro para a liderança do maior partido da oposição, Carlos Veiga, 60 anos, natural do Mindelo, regressou à vida política partidária activa nove anos depois de a abandonar. Falando só sobre Economia e Finanças, critica a política fiscal do governo de José Maria Neves na atracção do investimento estrangeiro e considera que os dados económicos estão viciados.
Qual é a percepção que tem sobre o actual estado da economia cabo-verdiana?
Não tenho uma boa percepção. Acho que ela não está a crescer praticamente, que está crescer muito pouco, que não tem um reflexo positivo no emprego. Uma política económica que não consegue resolver o problema do desemprego é uma política que falha.
Do seu ponto de vista, o que precisa ser melhorado em relação ao combate ao desemprego?
Tem de se incentivar a criação de empresas para que criem novos postos de trabalho. Mas não se pode fazer isto enquanto houver uma legislação do trabalho que não facilite a criação de novos postos de trabalho. A actual penaliza bastante o empregador, tornando muito rígida a relação. Não se incentiva quando, de facto, a carga tributária é extremamente forte sobre as empresas, sobretudo a parafiscal.
Para constituir uma grande empresa, tem de se pagar quase 3% em emolumentos notariais e registo. Lembro que, durante todos os anos, até um ou dois anos depois de 2000, nós, no governo do MpD, isentámos a constituição de novas empresas de emolumentos notariais e de registo. Isentámos também os aumentos de capital, porque é isso que se quer, empresas com capital cada vez maior, e em maior número, para que haja mais actividade económica e mais emprego. É preciso incentivar essa criação. Mas há outras coisas. Temos jovens quadros bem formados, mas que têm muita dificuldade em conseguir um emprego, sobretudo na administração pública. Temos uma administração pública que não é muito qualificada tecnicamente. Precisamos dessas pessoas qualificadas, elas existem e não têm emprego. Acho que há aí um conjunto de medidas positivas que precisam ser tomadas para incentivar a contratação dos jovens quadros de que a administração pública necessita.
E em relação à construção de importantes infra-estruturas para o país?
É claro que as infra-estruturas também fazem isto para certo tipo de desempregados, mas depende da forma como as fazemos. Estas infra-estruturas têm sido, e acho que devem continuar a ser, construídas com alta intensidade de equipamento e não de mão-de-obra. Mas, a nível local, é possível construir infra-estruturas na base de uma mão-de-obra mais intensiva, porque já verificamos que isso ajuda a combater o desemprego.
Estas linhas de orientação não são aquelas que o governo tem seguido e isso tem contribuído para que haja uma taxa de desemprego tão elevada. Pergunto: o que é prioritário, neste momento, em termos de construção de estradas? É mais prioritário fazer uma das pernas da circular (da capital) do que o saneamento (básico) da Cidade da Praia? A política de infra-estruturas tem de ter isso em conta. Porque nós, como país de poucos recursos, temos de nos endividar para fazer essas obras. Não se tratam de donativos, são empréstimos que têm que ser pagos e com juros. O benefício que Cabo Verde vai tirar tem de justificar esse endividamento, que não é só desta geração mas da próxima também.
Houve uma redução forte, de 53%, no investimento directo estrangeiro (IDE), uma descida de 35% no turismo e nas remessas há um abrandamento no crescimento. A que se deve isto?
Na questão das remessas, deve-se, naturalmente, à crise que afecta também os nossos compatriotas no exterior. O turismo também tem a ver com a crise, mas igualmente com a falta do nosso trabalho de casa. O "boom" turístico que nós verificámos nos últimos anos não foi o resultado de uma promoção activa por parte do Estado. Foram empresários privados que, através de promoções feitas no exterior, criaram este movimento. O governo não regulou, não criou aquelas condições internas, desde a requalificação urbana até à criação de uma bolsa de terrenos que não funcionasse como factor de especulação, mas de competitividade e incentivo do destino cabo-verdiano. Não criou segurança e confiança jurídicas nas pessoas. Aliás, foi agravado pelo facto de não se ter alterado o regime de taxas de emolumento notariais de registo...
Mas o governo anunciou a taxa...
Finalmente. Se o fizerem é uma boa medida. Há dois anos que o pedíamos, porque o que importa é que a economia funcione, e não que os cofres do Estado estejam cheios. A economia tem de funcionar, tem de haver dinheiro na economia para que o Estado cobre os impostos. Senão, às tantas, não há dinheiro na economia e também não há impostos. O sistema pode entrar em colapso, porque as empresas entram em falência e o Estado tem dificuldades em cobrar. Acho que o governo não fez o trabalho de casa.
Em relação à taxa de crescimento: o governo fala em 4,4%, o FMI fala em 3%. A ministra das Finanças fala que o valor, de 4,5%, foi o valor concertado entre o governo e o FMI. Agora o FMI diz que o crescimento não ultrapassará os 3%. O que pensa disto?
Essas divergências ocorrem muitas vezes. O FMI costuma ser seguro e o que nós vemos é que, de facto, está tudo parado, estagnado. Até aos 3%, as remessas dos emigrantes, sozinhas, conseguem justificar um crescimento a esse nível. Mas mesmo quatro ou cinco é manifestamente insuficiente para as ambições de Cabo Verde, para aquilo que precisamos, sobretudo para combatermos o desemprego e fazer com que o país se desenvolva. Num país desenvolvido, crescer, às vezes, uma décima pode ser importante. Mas creio que em Cabo Verde esses valores não são bons.
O que falhou?
Primeiro concentramo-nos só no Turismo e não fizemos aquilo que devíamos fazer nesse sector. Agora, dez anos depois, estão a fazer um plano estratégico do Turismo, mas desde 1993 que havia um plano de turismo feito pelo MpD. Existem documentos comprovativos disso, mas o plano deve ter sido posto de lado. Mas depois esquecemos os outros sectores: o que aconteceu nas pescas, na indústria? O governo definiu que a indústria não tinha futuro em Cabo Verde. Precisamos da indústria, o país não vai crescer para ter emprego se não avançar por aí. Aliás, a indústria serviu para outros países com condições semelhantes as nossas e não serve para nós porquê?
Falando agora do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2010. O MpD já o classificou de "eleitoralista" É assim?
Mesmo em áreas do PAICV diz-se que é um orçamento eleitoralista. Mas penso que há limites para orçamentos eleitoralistas. É normal que todos os governos façam orçamentos eleitoralistas quando se aproximam as eleições. Mas acho que um défice de cerca de 12% é demais e pode pôr em causa alguns dos fundamentos da estabilidade monetária que temos. O acordo cambial que temos parte de pressupostos fixos na paridade entre o escudo e euro, que trazem um conjunto de limitações. Cabo Verde foi ao ponto de, na sua própria legislação interna, impor esses limites a si próprio. Violar agora esses limites é violar a lei, mas também é violar os pressupostos que estão na base desse elemento fundamental que é acordo cambial. Diz-se que é um défice virtuoso, porque é de investimento, mas 11, 8% não é nunca um défice virtuoso, não pode ser quando há um limite de 3%. A crise, por si só, não explica isso.
... o FMI viabiliza este orçamento...
Mas chama atenção. O FMI está a chamar a atenção para o défice. Os relatórios vão dizendo isso mesmo. Sabemos como essas coisas são feitas e dificilmente se verá um relatório do FMI a atacar um governo. Mas está lá: atenção ao défice e à dívida. Estamos em ano eleitoral (eleições legislativas seguidas das presidenciais no início de 2011) e é neste ano que aparece um défice de quase 12%? E depois de todos esses anos? E é um défice apenas nominal, porque há ainda outras coisas que, do nosso ponto de vista, não estão lá incluídas, como os subsídios a diversas empresas, aos TACV (transportadora aérea), à ELECTRA (água e electricidade). É claro que o Orçamento vai passar, mas é claro que não é com os votos da oposição.
Então o OGE não contará com os votos favoráveis do MpD (na análise e votação no Parlamento do projecto do governo, em Dezembro)?
Não. De forma alguma. Até porque o OGE é aprovado apenas por maioria absoluta (o MpD tem 29 dos 72 deputados à Assembleia Nacional e o Partido Africano da Independência de Cabo Verde - PAICV, no poder - tem 41).
Em relação à crise económica mundial. Acha que afectou Cabo Verde?
Este impacto verifica-se sobretudo na área turística. Como o Turismo está no centro, e estava praticamente sozinho em toda a economia, é evidente que se reflectiu. Devíamos era estar preparados para ela e adoptar as medidas que fossem necessárias para contrariar os efeitos que estavam previstos. Essas medidas deviam ser sobretudo de incentivo e apoio às empresas e eu não estou a ver essas medidas.
Para se recuperar da crise o que precisa ser feito agora?
Acho que se começam a ver sinais mais positivos a nível internacional. Esses sinais vão reflectir-se em Cabo Verde mais tarde e, agora, o que valeria a pena, e já deveria ter sido feito, era libertar as empresas do sufoco em que estão para continuarem a trabalhar. Há várias situações a nível fiscal que estão a levar muitas empresas ao sufoco. Não têm receitas e têm o fisco em cima delas a cobrar intensamente. Acho que a eficácia da administração fiscal é uma coisa boa, mas é preciso que essa eficácia não se traduza também numa quase perseguição às empresas. Há que aliviar os impostos nestes momentos e devia dar-se algum apoio financeiro a essas empresas. Isso não foi feito. Lembro que a ministra (das Finanças, Cristina Duarte) dizia que se preocupava com a Tesouraria do Estado e não com a das empresas. Mas quem alimenta a Tesouraria do Estado é a Tesouraria das empresas e, em pouco tempo, verificou-se que havia dificuldades também nas receitas do Estado. Por exemplo, mesmo na questão do pagamento dos terrenos deveria ter-se adoptado uma moratória, mas em condições mais equilibradas, mais justas e que não criassem tanta dependência. Penso que as tentativas de moratórias acabaram por degenerar em sessões de muita pressão sobre as próprias empresas, até na alteração dos contratos que tinham sido assinados, e isso não é bom, porque o princípio fundamental de qualquer sociedade organizada é de que os contratos são para cumprir.
Isso significa que a actual legislação comercial não favorece a atracção de investimento?
Não é um problema da nossa legislação comercial, que até é razoável. As outras leis, as leis fiscais, a legislação parafiscal, as taxas que os serviços públicos cobram é que complicam a vida a quem quer investir em Cabo Verde, seja nacional ou estrangeiro. São os empecilhos que são postos pela própria administração à actividade empresarial que criam o problema. O nosso código de empresas comerciais é bom, a lei de investimento externo pode ser melhorada. É uma lei aprovada em 1992 e creio que, em matéria de utilidade turística, recuámos, porque o sistema actual tem sido criticado. Do meu ponto de vista, com razão. Mas, de um modo geral, não é pela legislação que se criam os maiores entraves. Acho que os entraves maiores estão nos empecilhos que são postos pela administração na sua globalidade, nos encargos que são muito grandes neste momento. Qualquer grande empreendimento que se queira criar, só para você constituir a sociedade e registar a sociedade, você vai acabar desesperado.
OJE/LUSA-ENTREVISTA CONDUZIDA POR CARLA LIMA E JOSÉ SOUSA DIAS
Sem comentários:
Enviar um comentário
Comentar com elegância e com respeito para o próximo.