quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

CRÓNICA:RESSONANCIAS42-POR JORGE CARLOS FONSECA

Pedaços de textos, reincidência múltipla em votos de Boas Festas, pátria e mátria, ainda as eleições de 2011 e as comunidades não residentes – a (des)propósito de «balanço» não feito, de «longevidade estereofónica das mulheres», de democracia e estado social, de autárquicas e Isaura Gomes.
O jornal e o seu chefe de redacção pedem-me que, sendo possível, faça, como é habitual nestas ocasiões de Natal e fim de ano, um «balanço». Ou as «minhas escolhas» ou os «mais e menos» do ano findo. Dificilmente fugiria ao já dito e repetido. A imaginação e a criatividade, neste ambiente de festa e de relativa distensão mental, levam-me à desobediência ao periódico.
1. Fora da pátria por uns dias, mas estando, de alguma forma, mergulhado nas ressonâncias de memória e raízes da mátria comum, decido reincidir na temática das comunidades cabo-verdianas no exterior, da diáspora nossa. Sobretudo numa altura em que temos o privilégio de convites para participar, dentro de pouco tempo, em eventos comemorativos de duas décadas de democracia em Cabo Verde e do 13 de Janeiro, em Lisboa, e do 13 e do 20 de Janeiro, em Rotterdam, em iniciativas de grupos de cidadãos cabo-verdianos radicados nesses países europeus, quisemos recortar ideias-chave e princípios básicos sobre a participação política em espaços externos da Nação que nos une.
2. Temos uma vasta «Constituição da diáspora», seguramente uma das mais audazes e ambiciosas constituições da diáspora do mundo. O «programa constitucional» para a diáspora e as comunidades cabo-verdianas no exterior e a medida de sua realização, mormente no plano de uma sua participação política em Cabo Verde, constituem ainda um barómetro do grau de realização de uma comunidade nacional efectiva, vale dizer da ideia de Nação.
[O desiderato constitucional de «… preservar, valorizar e promover a identidade da nação cabo-verdiana…», é, significativamente a primeira tarefa» do Estado - art.º 7.º a); enfim, aqui também elementos de uma noção de cidadania que não se confina ao território nacional, de uma «confissão» constitucional de Nação diaspórica]
3. É verdade que ainda é pouco expressiva, por relação à dimensão (pelo menos suposta) das nossas comunidades, a participação nas eleições nacionais, mesmo tendo em consideração as possibilidades reais de uma sua efectivação. De facto, comparando, por exemplo, 2001 e 2006, há um significativo aumento de recenseados e de votantes mas um acréscimo da abstenção.
[Nas legislativas de 22 de Janeiro de 2006, num horizonte de 51.602 eleitores, só exerceram o seu direito de voto 11270 eleitores. No total de 28.004 eleitores, em 2001, só votaram 7558. Nas Presidenciais de 2006, num total de 51 534 eleitores votaram 11344, quando em 2001, num total de 28 004 eleitores votaram 9157]
4. Mas pelo que observamos nos dias de hoje, pela recomposição do tecido social emigrante, pelo interesse crescente que os acontecimentos políticos, sociais e culturais nacionais despertam nos nosso conterrâneos a par de um positivo e visível reforço do cosmopolitismo crioulo, ou, ainda, pelo dinamismo do fenómeno associativo e de criação de meios de comunicação social nas diásporas, cremos ser de esperar um envolvimento particularmente empenhado e quiçá (mais uma vez) decisivo das comunidades cabo-verdianas não residentes nas eleições legislativas e presidenciais de 2011.
5. Momento adequado para retomarmos a ideia de que o quadro legal e institucional de participação política deve apenas estar condicionado pela regra da estrita incompatibilidade com a ausência do território nacional. Mas a exigência de realização de uma diáspora de cidadãos, a imposição (constitucionalizada) de uma noção de cidadania que não tem como critério as fronteiras físicas do Estado mas que ainda se mantém e alarga aos que mantêm até outra nacionalidade (a do estado de residência) → o «re-significar o «ser cabo –verdiano» (Iolanda Évora ) → implicam que seja excepção o limite à participação e, não, a regra.
6. É certo que, em atenção ao sistema de governo vigente entre nós – o chamado semipresidencialismo fraco – é nas eleições presidenciais que se situa o espaço privilegiado e genuíno de expressão da cidadania política; tendo em vista o papel representativo e de unificação da Nação do Chefe de Estado (importante, mas que não esgota, naturalmente, o leque amplo de suas atribuições constitucionais), nenhuma outra eleição justificará tanto a participação de todos os cidadãos, surgindo à evidência mitigado o argumento segundo o qual não seria curial que sejam os não residentes a decidir a sorte do país, quando não são ele a «sofrer» as consequências das opções de política ditadas pelos governos («não parece justo que sejam pessoas nessas condições – que directamente não sofrerão as consequências da escolha – a determiná-la, impondo-a aos cidadãos residentes no país, esses, sim, directamente afectados por ela»).
Para além da relatividade da argumentação, que, aliás, poderia revelar-se perigosa para os próprios fundamentos da democracia liberal (ela poderia ser esgrimida para afastar ou minimizar o voto dos não instruídos, o dos que pouco ou nada participam no esforço de desenvolvimento económico e social do país, ou até o voto dos socialmente excluídos ou auto-excluídos, sem esquecer os mais vulneráveis de toda a espécie), o critério da ligação efectiva à comunidade nacional sempre poderia ser revelado pela medida efectiva da disponibilidade em se recensear e exercer o direito de voto.
7. Vamos mais longe ao sufragar a noção de que ainda se revela como sendo do Estado social (democrático e de direito) – o nosso - a tarefa de aquela ligação, como forma de realização da Nação cabo-verdiana.
*«A metáfora do nacional», in (K)Cultura, Número especial, Praia, 2001, 226.
8. Tudo deve ser, no entanto, feito, para que se vençam os condicionalismos e se reduzam as dificuldades de realização dos princípios fundamentais de um processo eleitoral democrático genuíno, transparente e justo. É isso o que se espera no início deste ano de 2010 dos parlamentares e dos partidos políticos, em sede de revisão da legislação eleitoral (redução, ou não, do acto eleitoral a postos consulares, embaixadas ou a locais públicos ligados a instituições nacionais? Voto por correspondência? Estado a suportar despesas com os delegados eleitorais indicados por cada candidatura?; poderes alargados à CNE?; eleições nos círculos eleitorais fora do país no mesmo dia da semana anterior à prevista para as correspondentes no território nacional?; acordos com países onde se realizam actos eleitorais para garantia segurança e transparência actos eleitorais?)
9. Em crónica de pluri-reincidente, volto a tema de votos de Boas Festas a alguns amigos, tendo na mente sobremaneira os tempos, difíceis e complexos, é certo, de apelos, quantas vezes irracionais, a medidas drásticas de redução ou remoção de garantias e direitos, a um justicialismo popular e aparentemente eficaz (quiçá dramaticamente eficaz!!) ou a uma «justiça célere e sumária» a qualquer preço:
«Há uma semana, precisamente, um negro americano, James Bain de seu nome, é declarado inocente e libertado depois de cumprir 35 anos de prisão (entrou aos 19 anos e sai agora com 54 anos de idade) por condenação pela prática de crimes de violação e sequestro de menor. 35 anos depois de ser condenado a prisão perpétua, um teste de ADN comprova que o agente de tais crimes não foi Bain.
Mais significativo talvez: o inocente condenado e que cumpre 35 anos de cadeia ao sair declara que não guarda rancor de ninguém!
Há razões, há tantas razões, para que desejemos a todos um Feliz Natal e um muito bom Ano Novo».
10. Em tempos de festas e, repetimo-lo, de relativo destempero pelas coisas «sérias», acabamos amiúde por nos aprisionarmos momentaneamente em pedaços de escritos, papéis e verbo. Lemos (afinal, relemos o que ouvíramos a longa distância do tempo, um tempo de heróis loucos) que «… a mulher precisa tanto do homem quanto um peixe precisa de uma bicicleta» ou que «São os homens quem precisa agora do feminismo. Para conseguirem a longevidade estereofónica das mulheres…». Bocados discursivos seguramente excessivos no seu propósito romântico ou reivindicativo, mas que aqui e agora – e a pensar nos anos que aí vêm - nos apelam à luta determinada mas serena e lúcida contra a violência gratuita, designadamente contra as mulheres, ou, para nos sintonizarmos com o jargão moderno, em razão do «género». Pedaços singelos de textos que – vá lá saber-se por quê ! – nos fazem lembrar, caro director do jornal, um dos acontecimentos do ano que finda, as eleições autárquicas, e os seus vencedores, uns mais do que outros, talvez. Que nos levam, e ninguém certamente nos levará a mal por isso, a, em nome de todos eles, a nomear Isaura Gomes, edil de S. Vicente e mulher que, cremos, não subscreverá nem hoje nem nos anos que aí vêm tais ditos lindos, ingénuos e incontornavelmente traiçoeiros.

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