PRAIA-Os factores que contribuem para a explicação dos indicadores de uma política orçamental discricionária (fiscal policy stance) têm sido objecto de debate na ciência económica. Mais recentemente, vários contributos na literatura económica procuram avaliar os elementos que influenciam os indicadores orçamentais em cada país. Em particular, a ênfase passou a centrar-se no papel desempenhado pelo ciclo eleitoral. A análise existente acerca do impacto das eleições nos indicadores orçamentais aponta claramente no sentido de um forte impacto: as eleições geram despesas públicas elevadas que se traduzem no aumento do défice orçamental. Neste contexto, importa sublinhar que, para além da relação causal enfatizada entre as eleições e os principais indicadores orçamentais, não nos devemos esquecer da existência do efeito do défice orçamental sobre a balança de pagamentos, em particular numa pequena economia insular muito aberta, como a cabo-verdiana. Ademais, o regime cambial de taxa de câmbio fixa do escudo cabo-verdiano ao Euro (peg fixo unilateral) pode ou não ser incentivo para uma política orçamental prudente em vésperas de eleições.
Ora, se as causas da explosão recente do défice orçamental em Cabo Verde são conhecidas - quebra das receitas fiscais e forte aumento das despesas públicas - as suas consequências potenciais são menos evidentes. As projecções mais recentes apontam para 2009 um défice público de 10.6 % do PIB, claramente acima do valor de referência de 3.0 por cento. É um aumento substancial em relação ao ano anterior. A proposta de orçamento do Estado para 2010, já aprovada na generalidade pela Assembleia Nacional, prevê, para 2010, um défice global público em torno de 12,2 % do PIB. Quatro vezes mais o valor de referência previsto no Acordo de Cooperação Cambial (ACC). É a explosão do défice orçamental!
Como nos ensinam os manuais de macroeconomia, um défice da conta corrente da balança de pagamentos é, por definição, igual ao défice orçamental mais o saldo entre a poupança privada e o investimento privado. Ou seja, a condição básica do equilíbrio macroeconómico em economia aberta sugere que o défice orçamental elevado da economia cabo-verdiana determina em grande medida a explosão do défice da balança de pagamentos!: são os chamados gémeos não idênticos. Com efeito, o Fundo Monetário Internacional (FMI, World Economic Outlook, Outubro 2009) prevê, para o corrente ano, um défice da balança de pagamentos equivalente a 18.5 % do PIB - uma situação obviamente insustentável seja qual for o padrão, ainda mais para um país com um rácio elevado entre a dívida e o produto interno bruto (PIB) e com um regime cambial de peg fixo unilateral.
De acordo com as estimativas do Banco de Cabo Verde (BCV) actualmente disponíveis, o défice da conta corrente da balança de pagamentos, para os primeiros nove meses de 2009, situou-se em 10.790,18 milhões de escudos (161.3 milhões de euros). É um agravamento de 15.2 % em relação ao período homólogo de 2008.
O fluxo do investimento directo estrangeiro (IDE), nestes primeiros nove meses de 2009 foi de apenas 7.196,4 milhões de escudos, uma redução substancial de cerca de 44% quando comparado com o período homólogo de 2008. Assim, uma grande parte do défice da conta corrente da balança de pagamentos será financiado com reservas oficiais e empréstimos externos resultando daí um aumento significativo da dívida externa do País.
A existência de desequilíbrio profundo e persistente da balança de pagamentos conduz a uma perda de reservas cambiais oficiais pondo em risco o regime cambial de peg fixo unilateral do escudo cabo-verdiano ao euro, no contexto do Acordo de Cooperação Cambial celebrado com o Governo português.
Do ponto de vista do modelo de crise da balança de pagamentos, o problema central, ou seja, a perda de reservas não acontece de repente e de forma facilmente identificável. A perda de reservas vai-se manifestando gradualmente mas os especuladores, antecipando um abandono do peg, procuram adquirir as reservas cambiais oficiais e, o ataque especulativo tem consequências absolutamente sinistras: abandono do peg.
A informação incompleta dos agentes económicos, designadamente quanto ao volume das suas reservas que o Governo quererá utilizar na defesa da taxa de câmbio fixa, aumenta a sua incerteza. Isso produz a possibilidade de alternar crises da balança de pagamentos e confiança dos agentes económicos. No quadro do ACC, por exemplo, o Governo pode querer utilizar as suas reservas oficiais na defesa do peg e a Facilidade de crédito prevista no acordo pode ou não querer mobilizá-la na defesa do peg .
Em 2009, os défices gémeos orçamental e da balança de pagamentos atingem valores abissais e resultam de uma conjuntura internacional de crise e sobretudo de uma política económica profundamente errada. Importa sublinhar que a prodigalidade orçamental do Governo de José Maria Neves continua no OE-2010 e agravará ainda mais o défice orçamental e a dívida pública. Nestas circunstâncias o problema da balança de pagamentos - definido como uma situação em que o País está gradualmente a perder reservas cambiais líquidas oficiais - agravará e terá consequências negativas na credibilidade do Estado.
EXPRESSODASILHAS.SAPO.CV-POR PAULO MONTEIRO JR
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