quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

CV(EXPRESSO):CRÓNICA DE NEY SANTOS-"AFINAL ESTAMOS MAL"


A um ano, aproximadamente, das eleições legislativas de 2011, a realidade económico-social do país começa a vir ao de cima, pondo em manifesto desespero os que teimavam em escondê-la. A situação de Cabo Verde, a real, a que é vivida, sentida e partilhada pela grande maioria da população, não é a mesma que, diariamente, o governo nos vende a preço de marketing político, que, por mais sofisticado que seja, não consegue disfarçar as fragilidades que, por ora, estão a céu aberto nas nossas queridas ilhas.
A realidade e a ficção não se confundem. São abissais as diferenças que as separam. A este título, cabe notar que existe um Cabo Verde, feito de fantasias, que se acha apenas na cabeça de uma minoria, a começar na do primeiro-ministro, e um outro, que se vê, que se nota, que se observa, que se apalpa e que se encontra na mente de todos. Estamos em presença de dois países opostos: um real, feito de pessoas, com um ror de problemas graves, e um outro, construído de fábulas e de números, que não têm correspondência com os factos.
A elevação de Cabo Verde a País de Desenvolvimento Médio (PDM) não exprime a real situação de vida dos cabo-verdianos. Custa dizê-lo, mas é uma verdade que se nos impõe, sem margem para quaisquer dúvidas. Não basta afirmar, com a bazófia que nos caracteriza, por vezes, mormente quando nos comparam aos nossos vizinhos africanos, que pertencemos a um restrito clube de Estados de desenvolvimento médio. Antes de mais, é necessário que este título, cuja conquista saudámos na ocasião em que nos fora atribuído, coincida com a realidade do país, em outras palavras, que se traduza na melhoria do nível de vida das populações.
Até agora, os cabo-verdianos não deram conta que, de facto, passaram de País Menos Avançado (PMA) para o de PDM. Não o sentiram, não o viram, não o conheceram. Pelo contrário, o país regride, pesem os discursos optimistas de José Maria Neves. Vejamos alguns casos que ilustram o quadro a descrever. Em apenas um ano, descemos 19 lugares no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano do PNUD. O ano passado ocupávamos a 102ª posição e agora a 121ª.
Porquê? Simplesmente, porque o Governo, que se diz de esquerda, não o é, de facto, não tem estado a investir, eficazmente, em áreas sociais e económicas, como a saúde, a educação, o desporto, a cultura e o emprego. É um problema muito sério, que, a continuar, poderá levar o país a perder o status de PDM, que alcançou, a justo título, com muito trabalho e abnegação no decurso das últimas décadas.
A somar a este estado de coisas, a Organização das Nações Unidas (ONU) veio, em Outubro último, pôr a nu uma outra realidade, a de que Cabo Verde é o terceiro país lusófono com o maior fosso social entre os ricos e os pobres. O índice de desigualdade é bastante elevado, entre nós, sendo da ordem de 50.5 pontos. Reparem nos números. A crer na ONU, a taxa de consumo dos mais pobres é de 1,9 por cento, enquanto a dos mais ricos se situa na casa de 40,6.
Dito de outra forma, as desigualdades sociais são, no nosso país, preocupantes e profundas. Campeiam sem oposição. As parcas riquezas que continuamos a produzir vão, invariavelmente, parar às mãos de uma minoria, que, com a protecção deste governo e de outros que o precederam, engorda as suas contas bancárias, enquanto a maioria continua a ver o barco a passar. Em presença desta situação, injusta e cruel, é aconselhável que se corrijam, a tempo, tais desigualdades para evitar que o país conheça, tarde ou cedo, uma explosão social e popular de imprevisíveis consequências, a que nem escapará decerto o próprio regime político.
Que ninguém pense que o fenómeno thugs seja apenas um problema de polícia, sendo, em boa verdade, resultado das desigualdades sociais que se alastram pelo país. É inegável que existe, em Cabo Verde, um tipo de criminalidade, de natureza outra, que não tem que ver com os thugs. Importa, contudo, que tenhamos em atenção que a pobreza, caso não seja a sério combatida, por politicas públicas coerentes e harmonizadas, pode gerar conflitos contra os quais, muitas vezes, não se encontram remédios eficazes.
Neves continua a fazer um discurso oco e contrário aos factos. Prometeu aos cabo-verdianos mundos e fundos. A verdade, já no final do seu mandato, é só uma: desilusão. Inexplicavelmente, tem batido na mesma tecla, pensando que nos irá, eternamente, enganar. Os dados são claros: «prometeu reduzir a taxa do desemprego para níveis inferiores a 10%» e atingir «taxas de crescimento do PIB de dois dígitos». A verdade manda que se diga que não cumpriu com as promessas acima. Não porque não queira, mas porque se viu incapaz, politicamente, de as concretizar.
Em matéria de liberdade de imprensa, também, não estamos bem. Descemos oito lugares, ou seja, passámos do 36º para o 44º no ranking da organização Repórteres Sem Fronteiras. Já antes o Departamento de Estado norte-americano tinha dado, debalde, o alerta, embora a Freedom House nos tenha colocado, em 2009, no rol de países onde é livre a imprensa. Não precisamos de nenhum relatório internacional para confirmar o estado de degradação acelerada em que se encontra o país, no capítulo da comunicação social.
A crise é geral, o suficiente para mostrar a incapacidade do governo de Neves em dar por resolvidos os magnos problemas que se deparam aos media nacionais. Os públicos continuam, faz tempo, à espera de uma prometida reforma, que, de ministro a ministro, vem sendo adiada, injustificadamente. Os privados, sobretudo os que não lêem pela cartilha do Poder, são perseguidos como se de inimigos se tratasse, sendo o caso deste semanário o exemplo mais do que acabado.
O relatório dos Repórteres Sem Fronteiras, se bem que de novo nada tenha trazido, é inequívoco: pressão política e económica sobre os jornalistas, controlo governamental da linha editorial dos media públicos, boicote publicitário à imprensa privada, perseguição a jornalistas incómodos, dificuldades de acesso às fontes de informação, ausência de pluralismo na comunicação social, etc., etc. Pior do que isso, a censura e a famosa autocensura apresentam-se, hoje, como grandes empecilhos à existência de uma imprensa livre, em Cabo Verde.
Neves nada tem feito para as combater e prefere manter e prolongar a situação, ainda que esta seja reprovada, não raras vezes, pela generalidade de instituições internacionais que se ocupam da protecção e da vigilância da liberdade de imprensa. Enquanto governante, é pago, com o dinheiro dos contribuintes, para encetar medidas que propiciem a criação de meios para o exercício livre da actividade da imprensa, que se julga importante, em democracia.
No meio de tudo isso, surgiu a gripe A. Que fez o governo para a evitar, em Cabo Verde? Que se saiba, nada, absolutamente, nada. Como uma desgraça nunca vem só, eclodiu a dengue. Que medidas tomou o Executivo para a impedir? A resposta não varia, porque, pelos vistos, Neves anda sempre à espera que as coisas aconteçam para depois remediar, tarde e paliativamente, a situação. Hoje, sabe-se que o governo falhou na prevenção à dengue.
O Brasil está aqui ao lado, a poucas horas de avião de Cabo Verde e, tendo em conta os voos que ligam Fortaleza à Praia, seria por demais natural que, da nossa parte, tomássemos apertadas medidas de vigilância sanitária de molde a evitar que a dengue chegasse à nossa terra querida. O governo falhou. Não custa nada admiti-lo, dar as mãos a torcer, porque todos nós, sem excepção, cometemos asneiras. A humildade assim o obriga, quanto mais não seja para impedir que os erros se repitam.
A actual situação por que passamos vem desmentir todo o discurso vitorioso e triunfalista deste governo. As vulnerabilidades saltam à vista de todos. O país está doente e à mercê de qualquer ataque viral. Indefeso, como nunca, porque desinvestiu, nos últimos tempos, em áreas sociais, Cabo Verde, por culta de Neves, caminha para um rumo incerto.
A pobreza, o desemprego, as desigualdades sociais, a crise económica, a gripe A, a dengue, assim como os relatórios de organizações internacionais, vieram mostrar a verdadeira situação do nosso país, até agora escondida por uma enorme manta tambarina, que, por mais que se estique, não chega para tapar os olhos do povo. Afinal, estamos mal!
EXPRESSODASILHAS.CV-POR NEY SANTOS

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