É a quinta parte da longa entrevista do professor JCF à Rádio Atlântico. Bem ao seu estilo, Fonseca analisa as diferenças entre o MpD e o PAICV, este que segundo ele, ficou amarrado na identidade da ala pirista. Confira.
O PAICV é o partido que sustenta o actual governo que já vai no seu segundo mandato.
Como político, homem que acompanha a coisa pública, como avalia o desempenho deste governo em termos de liderança e nas realizações efectuadas?
Se no primeiro mandato o PAICV chegou ao governo depois de 10 anos de travessia do deserto onde deparou com um governo do MpD que, no fim do seu mandato, já estava desgastado por ter tido algumas políticas incorrectas, o PAICV com uma liderança nova a que se chamava dos "Jovens Turcos", era natural esperar-se que a liderança de José Maria e do seu grupo (Mário Matos, Basílio Ramos, Carlos Burgo, Júlio Correia etc) seria a de um PAICV reformista, renovador: um PAICV portanto, que interiorizava os valores do chamado socialismo democrático ou do socialismo reformista. Deu a idéia, inicialmente, que era isso mas parece-me que com o tempo essa liderança teve alguma dificuldade em impor as suas políticas que aparentemente, pelo menos, no discurso, eram suas opções. Tiveram alguma dificuldade em tomar conta do próprio aparelho do PAICV. Isto é, o sector mais conservador a que eu chamo do ‘sector nacionalista revolucionário' ainda consegue ser importante.
Encurtando razões e percurso, na eleição de 2001 eu lembro de José Maria Neves, ao ser questionado sobre as presidenciais, se iam apoiar Pedro Pires, ter respondido que não tinha que apoiar ou não porque a candidatura presidencial é uma candidatura de cidadania e não partidária e que não tinha que declarar apoio a Pedro Pires. Ele foi até que terminou no último dia no palco da campanha, a pedir votos para Pedro Pires. Isso mostra que a lógica compressora do sector mais radical do PAICV é forte e parece que continua a ser forte.
Está a falar da ala pirista?
Sim. Repare agora na corrida para as presidenciais, a disputa para a candidatura de quem vai ser o candidato apoiado pelo PAICV.
Retomando a sua pergunta sobre o governo, considero que 10 anos é muito tempo para se estar à frente do governo, e esse governo é relativamente fraco em alguns sectores. É um governo que dá a idéia de que já não tem coisas novas para dar. Os cidadãos apostam num partido para a governação quando olha que esse governo tem mais valias para dar, se vai haver coisas novas para levar o país à frente. Dá a idéia de que com esse governo, as pessoas vão dizer no fundo é mais do mesmo, apesar do esforço do primeiro-ministro por modificar o discurso.
Em sectores importantes como a Segurança Interna, a Justiça, mas, sobretudo de emprego e isso tem a ver com as eleições. O governo falou em reduzir o desemprego a um dígito e isso está muito longe de acontecer.
O governo pode alegar o problema da crise internacional mas é preciso ver que o eleitorado é implacável no seu julgamento, e muitas vezes não faz as mesmas ponderações que faz o governante. Falou-se num crescimento a dois dígitos e não está a acontecer, longe disso. O turismo que está a atravessar maus momentos e a própria situação internacional não é muito favorável ao PAICV, e dentro de um ano, ano e meio teremos as eleições.
Temos um MpD que está na oposição que talvez já tenha aprendido com os erros do passado e tem uma nova liderança de uma pessoa experimentada que foi primeiro-ministro, durante 10 anos e que ainda tem uma dose de prestígio a nível social e que por isso pode mobilizar e galvanizar militantes e a própria sociedade. E tendo em conta ainda que foi o partido que ganhou as autárquicas, há bem pouco tempo, parece-me que à partida que tem boas condições, tem vantagens nas próximas eleições.
Penso que se o MpD não fizer muitas asneiras tem boas possibilidades de ganhar as próximas eleições e provocar uma nova alternância em Cabo Verde. Bem, se houver os sociólogos podem estudar isso para ver se em Cabo Verde o nosso ciclo político normal é de dois mandatos.
A bipolarização é ideal para Cabo Verde?
Acho que não. Sempre achei que não mas é a realidade que ainda temos neste momento. Não é bom em tese geral, porque acentua a picardia política, dificulta o diálogo entre partidos para algumas questões que são essenciais para se obter algum consenso, não se debatem suficientemente as grandes questões nacionais, não favorece a extensão da democracia. Essa idéia de cultura de cidadania, de criação de instâncias da sociedade civil capaz de novas idéias, capazes de introduzir novos fluxos de idéias para o interior dos partidos e para o interior do Estado, tudo gira à volta, digamos, assim, da possibilidade ou não de diálogo entre dois partidos políticos, no parlamento e na administração pública, nos sindicatos e até nas Universidades e muitas vezes na família. O que temos é algo manietador de uma capacidade digamos de regeneração e de diversificação a nível social, político e cultural.
Eu estou convencido de que daqui a mais ou menos alguns anos, poderemos ter uma recomposição do quadro partidário em Cabo Verde, mas talvez não para agora. Isso porque tem a ver talvez com a cultura e história política do país, mais recente.
Hoje em Cabo Verde, discute-se a natureza, por exemplo, do MpD se é de esquerda, do centro, se é humanista, se é liberal. Se o PAICV é de esquerda quer dizer, às vezes parece-me ser uma questão mais de etiqueta porque os partidos em Cabo Verde e estou a falar sobretudo do MpD e do PAICV, o que os diferencia sobremaneira é a cultura, a história, o percurso, é a simbologia. Para os cabo-verdianos quando pensam no PAICV pensam na independência e o MpD, democracia e liberdade. Então, são duas referências simbólico-historicas do país que polarizam os cabo-verdianos para um lado ou para o outro.
Está a dizer-me que não há diferenças entre esses dois partidos?
Claro que há diferenças e importantes. Mas como já disse apenas do ponto de vista cultural. Estão, no MpD, pessoas que sobretudo acentuam os valores de Liberdade e da Democracia e no PAICV pessoas que reivindicam a história da independência nacional, patriotismo, africanidade, quer dizer, as diferenças entre os dois são mais de ambito cultural, de percurso e de referências de cultura, de percurso e de de cultura política. Se quiser, de matriz.
Se se pensar em termos de esquerda e direita tradicional, encontras pessoas de esquerda liberal, da esquerda democrática moderna no MpD assim como encontras no PAICV pessoas conservadoras que não têm nada de socialista. Estão no PAICV por causa do Pires, da luta, de Conakry, de Cabral, das cores da Bandeira (da bandeira com a espiga de milho, vermelho e verde, pessoas que vestem trajes do Bob Marley) e passa sobretudo pelo domínio simbólico.
Suponho que se poderia dizer que o MpD e o PAICV representam, simbolizam, visões diferentes da história recente do país.
Na representação colectiva, o MpD traduz a liberdade e a democracia, o partido que trouxe a democracia e a liberdade: o PAICV a imagem de luta pela independência. Deste modo, fazem-se as divisões, mesmo em termos eleitorais.
EXPRESSO.SAPO.CV-Por Norberto Silva
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