sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

CV(FORCV):FACE A FACE COM JORGE CARLOS FONSECA

Jorge Carlos Fonseca, possível candidato às primárias presidenciais no MpD, sentou para um Face a Face com Norberto Silva da Radio Atlântico e parceiro da FORCV em Holanda. Antes de entramos nos detalhes da entrevista vamos apresentar um breve curriculo do candidato em pauta.

Jorge Carlos de Almeida Fonseca, candidato às primárias presidenciais no MpD, nasceu em Cabo Verde em 1950, país onde fez os estudos primários e secundários e onde actualmente reside (Praia).
- Jurisconsulto e Professor universitário, é actualmente Professor Auxiliar e Presidente do Conselho Directivo do Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais de Cabo Verde, sendo também fundador e Presidente do Conselho de Administração das Fundação «Direito e Justiça».
- É Fundador e Director da revista quadrimestral «Direito e Cidadania».
- Colaborador Permanente da Revista Portuguesa de Ciência Criminal.
- Membro do Conselho Editorial da Revista de Economia e Direito, da Universidade Autónoma de Lisboa É membro do Conselho Editorial da Revista
- É autor de cerca de uma dúzia de livros e de mais de meia centena de trabalhos científicos e técnicos no domínio do direito, publicados nomeadamente em Cabo Verde, Portugal, Brasil, Espanha, Argentina, Macau, Itália, Angola e México.
- Como Jurisconsulto, saliente-se a sua qualidade de autor material dos Projectos de novo Código Penal, de novo Código de Processo Penal, de Código Aduaneiro e da Lei de Execução das Sanções Criminais. Dirigiu e coordenou o «Estudo sobre o Estado da Justiça em Cabo Verde» (2001) e o «Estudo sobre a protecção às vítimas de crimes violentos, em particular as mulheres» (2002) e participou nos trabalhos de elaboração da Constituição de Cabo Verde (1992) e de Timor-Leste (2001 e 2002).
- Foi Assistente Graduado da Faculdade de Direito de Lisboa (1982-1990), Professor convidado de Direito Penal no Instituto de Medicina Legal de Lisboa (1987); Director residente e Professor Associado convidado do Curso de Direito e Administração Pública, na Universidade da Ásia Oriental (Macau-1989/1990).
- Investigador no Instituto Max-Planck para o Direito Penal internacional e estrangeiro (Freiburg i.Br. – Alemanha), em 1986.
Foi Director-Geral da Emigração (1975-1977), Secretário-Geral (1977-1979) do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Cabo Verde.
Foi Ministro dos Negócios Estrangeiros entre 1991 e 1993, no primeiro Governo da II República.
Candidato a Presidente da República nas eleições de 2001.
- Poeta, com dois livros publicados ( «O silêncio acusado de alta traição e de incitamento ao mau hálito geral», Spleen Editores, praia, 1995; «Porcos em delírio», Artiletra, 1998) e colaboração dispersa em dezenas de publicações nacionais e estrangeiras (Raízes; Artiletra; África; Fragmentos, Folhas Verdes; Pré-Textos, etc.).
- Figura em várias antologias literárias publicadas em Cabo Verde, Portugal e Cuba e em diversas obras colectivas e de estudos literários.
- Ensaísta literário e cronista, e conferencista sobre temas jurídicos, culturais, literários e políticos, em Cabo Verde, Guiné-Bissau, Portugal, Brasil, Espanha, Senegal, Estados Unidos da América, Macau, México, Turquia, Japão, Angola, Áustria e Hungria.
- Condecorações: Ordem Amílcar Cabral (II Grau) e Grande Oficial da Ordem do Rio Branco (Brasil)
Face a Face Com Jorge Carlos Fonseca
PARTE I
JUSTIÇA EM CABO VERDE
RÁDIO ATLÂNTICO: Dr. Jorge Carlos Fonseca o sector da Justiça em Cabo Verde tem sido muito criticado. Queria pedir-lhe que falasse dos males de que padece a justiça cabo-verdiana e o que fazer para corrigir o que está errado?
JORGE CARLOS FONSECA: Quanto ao problema da Justiça em Cabo Verde, não é de agora que são feitas críticas sobre a sua eficácia e funcionamento. Isso dura já há alguns anos.
Lembro-me, por exemplo, que em 2001/2002 ganhei um concurso financiado pelo Banco Mundial e constituí uma equipa para fazer um estudo sobre o Estado da Justiça em Cabo Verde.
Na altura, fizemos uma série de recomendações ao governo, mais precisamente ao Ministério da Justiça.
No documento fizemos 56 recomendações ao Governo para melhorar, eventualmente, o estado da Justiça em Cabo Verde...
RA: Podia ser mais explicito…
JCF: Passava por várias coisas como, por exemplo, reformas legislativas, algumas já em curso como as penais, mas outras em áreas como o processo civil; reformas institucionais, como a instalação do Tribunal constitucional ou a Provedoria da Justiça, juízes de execução de penas pelo menos na Praia e em Mindelo, o combate à morosidade de justiça, introduzindo critérios de responsabilização e de fiscalização efectiva e técnica, melhoria da qualidade de prestação de agentes da justiça a todos os níveis: juízes, magistrados do ministério público, advogados e o próprio ministério de justiça, portanto, um conjunto de factores entrelaçados que contribuem para que a justiça não satisfaça a nossa comunidade.
É claro que com o tempo surgiram fenómenos novos como a criminalidade organizada, e parece-me que o aparelho da justiça não conseguiu dar respostas a esses novos fenómenos, quer dizer, há soluções que não foram ainda encontradas e por vezes as pessoas ficam apenas pelos discursos, em fazer mais diagnósticos, quando há aspectos fundamentais que têm de ser decididos. Por exemplo, a questão da gestão da justiça, dos Conselhos Superiores das duas Magistraturas.
O Conselho Superior de Magistratura não funciona bem, tem que ser alterada a sua composição, tem de haver mudanças no modo de seu funcionamento, de forma a que não seja apenas um órgão burocrático…. Precisa ter meios para que possa fazer uma gestão mais ou menos autónoma dos serviços judiciários. Não se pode aceitar, ou mesmo compreender, que tribunais ou procuradorias dependam do ministério para comprar, por exemplo, um computador, um lápis ou uma caneta.Quer dizer que a sua dependência do ponto de vista de gestão e de recursos materiais por parte do governo é uma forma de efectivamente ele depender do executivo.
Em segundo lugar, quando os Conselhos não exercem as funções lhes são atribuídas, não só de gerir disciplinarmente, gerir transferências de magistrados, mas digamos, ser uma espécie de pivô para ver a questão da produtividade dos magistrados, o problema da sua responsabilização… Os problemas complicam-se…
É incompreensível que processos prescrevam depois de estar parados 5, 6, 7 ou anos ou mais. A não ser em casos excepcionais em que haja verdadeiramente causa justificativa ou de desculpa O magistrado que tenha esses processos e os deixe prescrever injustificadamente deve ser responsabilizado, porque existe um princípio constitucional que é importante em qualquer Estado de Direito Democrático, e este princípio diz que os juízes são independentes e irresponsáveis, mas têm de responder pelas omissões graves. A irresponsabilidade é para garantir a independência, fundamental num estado de direito, a irresponsabilidade é pelo conteúdo das decisões que tomam. Agora, não se pode optar pela irresponsabilidade por omissões,e, se isso acontecer, tem que haver alguma instância que os responsabilize.
Há outras questões como, por exemplo, a qualidade do serviço de Justiça. Hoje em dia se pensarmos na generalidade dos nossos agentes judiciários, os melhores juristas não estão na magistratura... pelo menos a maioria.
RA: E porque não estão…
JCF: Porque a carreira não é suficientemente atraente, talvez porque o estatuto remuneratório não seja o mais adequado, ou talvez porque também não se tem um reconhecimento público dos magistrados na sociedade cabo-verdiana e também porque as pessoas são condicionadas. Quer dizer, a independência da Justiça que é fundamental num estado direito ainda não foi concretizada de forma razoável, indiscutível. Podemos chegar lá, porém, há ainda um longo caminho a percorrer para se chegar a uma verdadeira independência do poder judicial em Cabo Verde.
E questiono ainda a qualidade e a consistência do Poder Judicial.
Temos que ter os melhores na Magistratura. Mas ainda isso não acontece seguramente, é preciso trabalhar para tanto.
RA: Por tudo o que disse fico com a impressão que pensa que o actual Supremo é composto por pessoas com pouca preparação para o cargo…
JCF:Diria de outra forma que podíamos ter um Supremo Tribunal melhor, com melhores condições para realizar justiça a um nível elevado e de grande responsabilidade .
Primeiro, devia ser mais alargado, como há muito defendemos no tal estudo.Segundo, devia ter alguma especialização. É inadmissível que em pleno século 21 não tenhamos magistrados especializados em vários domínios do direito. Aliás isso é uma das 56 recomendações que fizemos ao Ministério da Justiça.A criação de um Tribunal Constitucional autónomo que teria a seu cargo a jurisdição constitucional e a jurisdição eleitoral.
Voltando ao Supremo, tínhamos que alargar para ter algumas Secções. Uma Secção criminal, quer dizer, não faz sentido hoje, que na última instância não haja uma Secção Criminal. Ou seja, não se pode ter um Juiz hoje que seja bom em Direito Criminal, Família,Administrativo, Trabalho etc, a não ser que seja um génio. E génios são por natureza raros…
Portanto, quando faz tudo ao mesmo tempo, não pode ter habilitações técnicas para decidir com o mínimo de qualidade toda a questão jurídica, ainda mais hoje em dia que o direito se torna mais complexo e diversificado.
E depois para estar no Supremo tem que haver critérios de mérito, é preciso fazer concursos, isto é, necessário para se ter pessoas qualificadas que chegam ao Supremo devido à sua competência e mérito.
Um outro aspecto, é preciso que haja condições estatutárias que permitam de facto a independência dos juízes. Repare no que acontece agora, em que um juiz do Supremo fica cinco anos no cargo e para renovar o mandato está dependente do poder político e isso pode condicioná-lo na tomada das decisões judiciais porque o poder político pode ou não renovar o seu mandato.
É preciso que haja condições de estabilidade que se constituem pressupostos de independência do poder Judicial.
Outro assunto que carece atenção é o processo civil, nomeadamente o chamado processo executivo que necessita de uma reforma profunda, que precisa ser menos burocrático, mais eficaz, mais rápido, mais expedito. Há muita gente que defende que é preciso fazer mais legislação, mas às vezes temos legislação que proporciona condições para uma boa justiça, mas não serve porque os agentes da Justiça não as aplicam efectivamente, resistem até, ou por incompreensão, ou por preconceitos,ou por dificuldades próprias de interiorização dos principais vectores da reforma e a resistência é uma espécie de auto-defesa técnica… e não são responsabilizados.
Tem que se ter Inspeções verdadeiras e autónomas, não se pode ter um Juiz Inspetor, por exemplo, que vai inspecionar o seu colega e, que está condicionado porque, por exemplo, dentro de um ano ele pode ser Juiz e o colega inspector invertendo-se assim os papéis.
Portanto, a Inspeção deve ser também para todo o serviço da Justiça, para todos os tribunais,tem que ser autónoma, servindo inclusivé para o Supremo Tribunal de Justiça que não é actualmente inspecionado. Mas para isso as inspecções têm de ter determinadas características e exigências.
É preciso que haja verdadeiras inspeções que não são meros rituais, mas sim que avaliem a qualidade das decisões judiciais. Há por exemplo juízes que produzem repetidas decisões erradas ou tecnicamente infundadas, que não aplicam bem o direito, que proferem sentenças, que, digamos não sejam consentâneas com o direito vigente, portanto, um juiz assim não pode estar a exercer um tal cargo.
Podia-se resolver isso de alguma forma com a criação da figura do Provedor de Justiça que é uma instância importante porque é um instrumento de fiscalização que pode ser muito útil.
Se tivermos um Provedor de Justiça, uma personalidade importante, capaz e independente, quando o cidadão tem problemas recorre a essa figura que pode fazer andar os processos por exemplo. Claro que não interfere, não pode interferir nas decisões judiciais, mas pode interrogar, por exemplo, sobre o porquê de um processo que dura 3 ou 4 anos. Existem prescrições incríveis que não se justificam, há processos que andam rapidamente, enquanto outros ficam na gaveta, o que pode levantar legitimamente suspeitas... então é um mar de problemas.
Para mim o diagnóstico está feito há muito tempo, falta é um governo com coragem política para tomar certo tipo de decisões, mesmo que firam alguns interesses, nomeadamente alguns interesses corporativos. Por vezes dá a idéia de que andamos à volta dos problemas da justiça. Fingimos que estamos a resolver os problemas mas não tocamos onde devemos tocar, porque é incómodo, porque é difícil, porque pode trazer de imediato reacções negativas e fortes.
RA: Quando se fala em instalação de Tribunais como o Constitucional, que exigem especializações de Magistrados não estou a ver em Cabo Verde, conforme o senhor também reconheceu, muita abundância de especialistas em Direito...
JCF: Eu acho que existem já em número suficiente. Às vezes é uma questão de procurar dentro e fora do país.No caso do Tribunal Constitucional, a lei prevê um mínimo de três Juízes, que considero um número irrisório e pouco adequado por muitas razões até de funcionalidade. Em Cabo Verde pode-se encontrar neste momento um número de pessoas qualificadas para exercer tais funções, não apenas os tais 3, mas 5,6, 7 ou 8 pessoas que possuam condições técnicas, prestígio e capacidade para integrar o Tribunal Constitucional.Se se melhorar as condições de das pessoas que trabalham na Magistratura é possível obter bons quadros para esses Tribunais.
Hoje em dia temos várias pessoas que se formam no exterior, Portugal, Brasil e tem-se uma Escola de Direito e outras Escolas que também ministram uma licenciatura em Direito. É preciso que haja uma boa política de formação por parte do Estado que abranja as universidades e institutos que possam ter condições para dar formação em áreas especializadas do direito, pós-graduações, mestrados, doutoramentos….
RA: O Senhor é professor no Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais de Cabo Verde. Incentiva os seus alunos a prosseguirem com alguma especialização?
JCF: Nós somos a primeira Escola de Direito em Cabo Verde. Estamos neste momento no quarto ano e temos cerca de quatrocentos e tal alunos nos cursos de Direito.No quarto ano temos cerca de 60 e tal alunos e com a taxa de reprovação que temos tido em média, podemos dizer que daqui a mais um ano formaremos cerca de 30, 40, vá lá 50 alunos e desses sairão 12 a 15 pessoas, talvez uma vintena de nível razoável e alguns de bom nível.Temos grandes alunos no Instituto que daqui a 3/4 anos serão Juristas de algum mérito em Cabo Verde e podem ascender a patamares elevados dentro da nossa magistratura ou noutros sectores como a advocacia a assessoria jurídica de empresas, etc..Mas isso se se privilegiar o critério de mérito e não critérios burocráticos ou políticos como acontece actualmente.
Resumindo, digo mais uma vez que o diagnóstico sobre o problema da Justiça no país está feito é preciso coragem política para se tomar as decisões correctas.

EMBAIXADAS, POSTOS CONSULARES E EMIGRAÇÃO
RA: Mudando agora de assunto, falando do funcionamento das nossas Embaixadas e Postos Consulares, para nós que vivemos fora de Cabo Verde ficamos com a impressão de que o que se faz nesses serviços é algo meramente administrativo por parte de embaixadores ou cônsules.
Uma sub pergunta tem a ver com diplomatas que vão para o Governo e depois voltam para o seu posto.Para muitos é algo eticamente reprovável.
O Senhor que foi Ministro dos Negócios Estrangeiros, é político, podia tecer breves considerações sobre o que acabei de dizer?
JCF: É um problema interessante e um pouco complexo. Eu tenho uma experiência como Ministro dos Negócios Estrangeiros durante alguns anos, porém, a minha experiência nos negócios estrangeiros é muito mais larga.Logo a seguir à independência fui Director Geral para a Emigração e Serviços Consulares e depois fui Secretário Geral dos Negócios Estrangeiros, portanto, conheço mais ou menos os Negócios Estrangeiros.
Eu lembro-me de que, quando formamos governo em 91 eu era Ministro dos Negócios Estrangeiros e tinha a tutela também das Comunidades, havendo também um Secretário de Estado. Mas sempre tive reservas sobre a adequação daquele esquema institucional, e eu, no governo na altura,sempre batalhei para que fosse diferente.Sempre achei que a estrutura tradicional de um Ministério dos Negócios Estrangeiros é pouco adequada para dar respostas eficazes aos problemas que a emigração coloca.
 RA:Porquê?
Porque normalmente os diplomatas que nós temos não estão preparados para esse tipo de trabalho. Os diplomatas estão mais preparados para as questões da cooperação, para a diplomacia política e técnica, para terem contactos com os ministérios dos negócios estrangeiros dos países onde estão colocados, para participarem em conferências mais de ordem política, e sobretudo, não estão devidamente preparados para dialogar, visitar as comunidades, e não estão virados, por exemplo, para tarefas como as de visitas a bairros sociais onde residem cabo-verdianos para resolver os problemas dos emigrantes, portanto, sempre defendi uma estrutura governamental própria para a emigração que podia estar articulada formalmente com os Negócios Estrangeiros ou não, isto é, uma coisa é a diplomacia e outra são estruturas próprias para defender e resolver os problemas da emigração...
RA: Está a defender um Ministério especifico para a Emigração?
JCF:Sim. Sempre defendi um Ministério à parte para a emigração, ainda que tenha a consciência de que o problema não se resolve só com isso, como se fosse uma varinha mágica….Mas era preciso resolver o problema dos serviços consulares.
Se dependia dos Ministérios dos Negócios estrangeiros ou do Ministério da Emigração e Comunidades ou se criava algo horizontal, uma articulação entre os dois Ministérios.
Repare que um Ministério da Emigração teria que ter quadros preparados para isso, como por exemplo, técnicos do serviço social,sociólogos, psicólogos, pedagogos, pessoas mais preparadas para trabalharem com os nossos emigrantes.
Voltando a sua pergunta sobre se os Diplomatas devem participar no Governo. Eu diria que não o vejo com bons olhos, como princípio.Um diplomata tem uma função nobre,complexa e difícil que exige alguma dedicação à causa pública, digamos, é um servidor do Estado.Portanto, deve ter condições independemente do governo que está no poder, para servir um governo ou outro tranquilamente sem problemas nenhuns.
Quando se tem um peso muito relevante de pessoas que estão nas embaixadas e consulados muito ligados a um determinado governo, até digamos, com estatuto partidário, isso complica muito as coisas. Por exemplo, durante os processos eleitorais anteriores houve muitos casos de queixas em como a organização de processos eleitorais conduzidas pelas embaixadas ou consulados padecia de partidarização, de parcialidade, houve queixas de condução de processos de forma pouco transparente, pouco igualitária, portanto, são coisas que temos que evitar.É preciso ter regras bem claras para as chefias dos postos diplomáticos e dos serviços consulares.
O diplomata deve ter uma carreira de forma organizada, de forma que possa ter alguma autonomia em relação ao poder político. Quer dizer, não se pode dizer que a pessoa não possa ter opção, normalmente em, é humano e normal que tenha, contudo, a diplomacia exige pessoas que mesmo tendo alguma opção política não estejam atreladas a um ou outro executivo, consoante o voto popular em um ou outro acto eleitoral.
RA: Há certa critica também de que os diplomatas são um pouco "preguiçosos”no tocante à valorização profissional. Licenciam-se e depois não fazem mais formações transformando-se em meros administrativos.Teve essa sensação quando foi Ministro da Tutela?
JCF: É evidente que isso é um juízo precipitado se generalizarmos. Possivelmente há pessoas que se dedicam muito e que estudam, mas há outros que se acomodam.É preciso que haja uma liderança nos negócios estrangeiros que promova a formação, a reciclagem dos quadros. Se o próprio Estatuto não prevê que as pessoas sejam promovidas pelo mérito mas apenas pelo tempo de serviço, é claro que as pessoas acomodam-se, porque passados 3, 4 ou 5 anos passam para outro nível diferente.Portanto, deve haver uma carreira que estimule as pessoas para a progressão na carreira e sobretudo para se adaptarem aos tempos novos, isto é, temos diplomatas que se formaram no tempo da independência ou em 1990 por exemplo, que podem não estar actualizados.O mundo mudou, evoluiu e aos diplomatas hoje exige-se que tenham outros conhecimentos, têm que ter formações em várias áreas como por exemplo a economia, ciência política, relações internacionais, direito internacional, etc.
RA: A tal especialidade de que falou anteriormente também para a área da Justiça...
JCF: Sim tem que haver especialização crescente.
RA: A Parceria especial entre Cabo Verde e a União Européia pode um dia fazer que Cabo Verde chegue muito “perto ou mesmo entrar na União Européia”. Queria ouvir a sua opinião como um expert da área jurídica
JCF: Eu penso que é uma questão de trabalho. É uma questão de imaginação e de acompanhar o progresso da União Européia e também que a União Européia veja os progressos do Estado de Cabo Verde em aproveitar as oportunidades que oferece essa Parceria.
Temos várias vias para chegarmos onde disse. Há por exemplo a possibilidade de lá chegar através de relações institucionais e de cooperação.A Associação dos Municípios de Cabo Verde e as Organizações dos Municípios da União Européia.Pode ser pela via das relações de Cabo Verde com outros Arquipélagos que fazem parte da União Européia.
Eu não sei se chegaremos a entrar na União Européia, parece complicado mas talvez se formos um bom aluno, se trabalharmos bem, aproveitando todas as competências que temos, se tivermos capacidade imaginativa, podemos chegar a um patamar muito elevado nessa parceria com a União Européia que nos faça ter uma relação extremamente privilegiada e de muita proximidade com a União Européia.

OFICIALIZAÇÃO DO CRIOULO
RA: Outro assunto que faz parte da actualidade cabo-verdiana é a oficialização da língua cabo-verdiana. O Senhor é Jurista, Professor, Escritor...
JCF: Mas eu não sou Lingüista, mas posso talvez dar a minha opinião como cidadão, escritor... (Risos)
RA: Queria a sua opinião como cidadão sobre este dossiê “oficialização ou não da língua cabo-verdiana”. Será a altura certa para a oficialização do crioulo? Há pouco tempo na Holanda o Ministro da Cultura disse que se os Deputados não chegarem a acordo nesta matéria a História acabaria por julgá-los...
JCF: Se o Ministro usar as expressões como está a dizer eu acho um pouco “forte”. É claro que o debate em torno da oficialização da língua cabo-verdiana e sobre o ALUPEC tem sido um debate acalorado. Dá-me impressão às vezes que esse debate devia ser um debate mais alargado e um debate mais sereno e mais objectivo.
Se eu como cidadão, professor e escritor, tenho muitas dúvidas, imagine então um cidadão comum, de certeza deve ter mais dúvidas do que eu. Eu não acho correcto e nem o método mais eficaz para que as pessoas estejam convictas de que, por exemplo, a oficialização do crioulo, a institucionalização do ensino do crioulo, seria até uma forma de defesa de crioulo e da própria língua portuguesa paralelamente, eu sei que alguns lingüistas defendem isso, falo por exemplo de José Luis Hopffer Almada ou Mário Fonseca, meu falecido irmão que não era lingüista mas era um escritor, que defendem que a opção pelo crioulo evita algo que temos agora que é a chamada diglossia, uma interferência nociva de uma língua noutra.
Defendem que é devido a uma diferença grande em termos de gramática entre essas duas línguas e que por isso as pessoas falam mal o português, aportuguesam o crioulo etc.
Eu como professor universitário, tenho verificado que a língua portuguesa em Cabo Verde está num estado difícil, quase calamitoso, é impressionante... Se o Português é a língua oficial temos que tratá-la como deve ser. O mesmo se pode dizer noutros segmentos da população, mesmo junto de quadros formados em escolas portuguesas ou brasileiras. É um fenómeno generalizado. Se a oficialização do crioulo contribuir para a sua afirmação, afirmação da identidade, e servir para introduzir outros métodos mais eficazes para o ensino da língua portuguesa… estou de acordo, mas como não sou lingüista, não sei se isso é verdade ou não, se é seguro o não.
O problema é que essa questão coloca muitas dúvida aos cabo-verdianos e dúvidas complicadas que podem trazer preconceitos bairristas como, por exemplo, uma eventual imposição da variante de Santiago aos outros. Portanto, se não for assim é preciso que quem de direito explique isso às pessoas, é preciso que haja um trabalho pedagógico e paciente.
Os defensores do crioulo não podem fazer chantagem , dizendo, por exemplo, que as pessoas que são contra são alienados, não são patriotas ou nacionalistas.
Ser cabo-verdiano ou ser patriota não tem nada a ver se se gosta ou não do ALUPEC como é evidente. Mas falo de alguns, de um segmento mais radical, quase fanatizado e isso não é bom.
A Constituição revista em 1999 diz que o Estado deve criar condições para a oficialização do crioulo.
Houve um diploma, creio, que institui o ALUPEC a título experimental, o que a Lei previa era a avaliação, estudos de impacto, mas parece que não foram feitos. Há pessoas que dizem: mas já houve vários colóquios, debates, conclusões e recomendações com especialistas sobre a matéria.Mas eu penso que não é um problema só de especialistas mas sim um problema de cidadania.É preciso ouvir escritores em língua portuguesa, professores, enfim, os cidadãos no geral.Quando há uma agenda política que pressiona para que o Alupec seja aprovado, poderá ter um efeito perverso, como diz o ditado:”o tiro pode sair pela culatra”, pode criar resistências...muitas pessoas resistem ao ALUPEC porque alguns defensores do ALUPEC são fanatizados, quer dizer, é um discurso quase de ameaça..”quem não é ALUPEC é contra Cabo Verde, não é patriota, é alienado, é colonialista”etc. Quer dizer, isso não é a forma mais correcta de convencer as pessoas a aderirem à proposta de oficialização do crioulo ou então o outro problema autónomo que é o problema do ALUPEC.Repare, temos que ver o debate sobre a oficialização do crioulo em outros aspectos.Os custos que acarreta. Nesta fase de crise, dos problemas por que passa o País, pode-se questionar se é uma prioridade… Sobretudo tendo em conta os custos. Oficializando o crioulo, por exemplo, o Boletim Oficial tem que ser feito nas duas línguas. Se se aprova um Código Civil, tem que ser feito também em crioulo, chega uma entidade oficial de visita a Cabo Verde é preciso ter tradução em português e crioulo.Eu por exemplo, estive a lecionar em Macau que tem duas línguas oficiais o Chinês e o Português, todos os documentos têm que ser traduzidos nas duas línguas e isso acarreta custos elevadíssimos.Macau consegue pagar porque tem condições para fazê-lo mas aqui em Cabo Verde não sei se teremos condições neste momento para o fazermos.
RA: Então acha prematura a oficialização?
JCF: Eu acho que se devia fazer um esforço e retomar esse debate, alargar o debate,estendê-lo e que interlocutores de um lado e do outro tenham uma postura mais dialogante, mais tolerante, mais pedagógica, mais didáctica, para que as pessoas possam entender o que está realmente em jogo, para que as pessoas de Santo Antão a Brava possam entender bem do que se trata, para que, por exemplo, os da Brava ou de S. Nicolau não possam pensar que tem que falar “Badio” ou os de Santo Antão não pensarem que vão falar o crioulo de “Assomada”, caso contrário será um problema.
RA: Acha que o debate sobre o assunto deve ser mais socializado talvez?
JCF: Sim é preciso de facto que seja mais socializado a bem de todos

PARTE II
REGRESSO A CABO VERDE, CARREIRA POLÍTICA, TROTSKI, COMBATENTES DA LUTA ARMADA
RA: O senhor é muito conceituado a nível Internacional e podia facilmente prosseguir a sua carreira no estrangeiro e ganhar muito mais dinheiro. Lembro de ter um professor em Portugal, um grande Penalista (Marques da Silva) que o citava sempre como uma mente brilhante. Pergunto porque desse seu regresso a Cabo Verde?
JCF (risos): Bem aqui é a minha Terra. Eu saí de Cabo Verde para estudar em Portugal ainda antes da independência e tive um problema político na Universidade de Coimbra, sendo expulso por uns anos num processo típico dos tempos do Salazarismo. Na altura eu era militante do PAIGC, era muito jovem e na altura do 25 de Abril entreguei-me de corpo e alma ao processo da independência de Cabo Verde e recebi indicação por parte dos dirigentes do PAIGC para regressar a Cabo Verde.Pode imaginar o que se passa na cabeça de um jovem com 22/23 anos com ideais de independência, revolução e não pensei em mais nada.Regressei a Cabo Verde e aqui em Cabo verde convidaram-me para ser Comissário Político Nacional das FARP mas depois acharam que era muito jovem e muito radical e por isso não devia ocupar esse cargo.De um momento para o outro mandaram-me para organizar o Comité do PAIGC nos EUA, sem prazo, praticamente sem nada; fiquei 3 a 4 meses e depois pediram para regressar ao País.E fui então enviado para representar o PAIGC em Geneve (Suíça) numa conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.
Quando regressei fui nomeado Director Geral da Emigração e dos Serviços Consulares no Ministério dos Negócios Estrangeiros.Entretanto tempos depois, em 1979, houve aquela ruptura conhecida pelo fenómeno do fraccionismo e trotskismo, rompemos com o PAIGC na altura.Eu tinha 28 anos e aquilo foi muito duro mesmo; e hoje em dia sobretudo são jovens não conhecem essa faceta da nossa história...
RA: Porque é que aconteceu essa ruptura? Muitos críticos diziam que a maioria dos que consideravam trotskistas nem conhecia quem era Leon Trotski e nem a sua doutrina?
JCF: Sim é verdade. Mas eu Jorge Carlos Fonseca realmente conhecia a obra de Trotski, assim como Rosa de Luxemburgo , Marx, Lenine porque tive a oportunidade em Portugal de conviver num ambiente universitário de esquerda, Jazz, revolução surrealismo, movimentos associativos que eram dominados pelos partidos e pelas ideologias esquerdistas.Era o ambiente geral dos meios universitários naquela época...
As pessoas eram Cabo Verde eram, sobretudo críticos do regime do PAIGC...críticos de maneiras diferentes , por ideologias diferentes, mas com alguns pontos em comum...
RA: Podia citar nomes de pessoas aqui em Cabo Verde que faziam parte desse Grupo?
JCF: Era um grupo vasto. Posso citar nomes como Manuel Faustino, Eugênio Inocêncio, José Tomás Veiga, Braga Tavares (Xanon) que vive agora em Roterdão, Gualberto do Rosário, Euclides Fontes que agora vive nos Estados Unidos... Helena Lopes da Silva que vivia em Portugal, Espírito Santo, entre muitos outros...
RA: Não havia figuras próximas do regime do PAIGC...
JCF: Bem, éramos formalmente todos do PAIGC.Sim havia muita gente, mas houve casos de pessoas que recuaram.Por exemplo o Amaro da Luz era um dos críticos que na altura reuniu muitas vezes conosco inclusivamente há um pormenor combinamos que ele daria uma entrevista em Nova Iorque onde era embaixador das Nações Unidas sobre a ruptura; o que acabou por não acontecer.
Havia outros dirigentes próximos de nós como o Renato Cardoso não tão claramente inserido no grupo, teve algumas hesitações; ou o José Eduardo, hoje é Embaixador, que inicialmente foi considerado trotskista, mas depois também se demarcou publicamente,José Luis Fernandes, Alexandre de Pina,o Tolanta que veio a falecer...bem não se pode dizer que eram todos trotskistas, mas digamos que estivemos juntos de uma ou outra forma crítica relativamente ao modo como as coisas estavam a ser conduzidas.Quando se deu a ruptura e começaram a sentir-se as conseqüências, a reacção do regime foi dura e tudo foi etiquetado como trotskista e fraccionista.Era uma etiqueta fácil e cômoda...
RA: Mas qual era o vosso objectivo? Golpe de Estado?
JCF: Não nada disso, isso seria utopia a mais.Não éramos propriamente loucos. Nós éramos críticos do regime do PAIGC e é preciso levar em linha de conta de que éramos jovens e não altura queríamos que as coisas funcionassem melhor.Entre outras coisas queríamos democracia interna no partido, o que não havia no nosso entendimento.
RA: O objetivo da Revolução permanente de Trotsky era chegar ao Poder...
JCF: Repare, pode isso ter algum aspecto cómico. Repare que quando o conjunto de pessoas intituladas de combatentes chegou de Conakry a Cabo Verde eles na sua esmagadora maioria não conheciam Cabo Verde, o Cabo Verde daquela época, praticamente toda a estrutura do PAIGC era constituída por nós, todos muito jovens e idealistas, os chamados trotskistas é que tinham praticamente tudo em suas mãos. O Eugénio Inocência (Dududa) era responsável do partido em Santo Antão e em S. Vicente, o Faustino era responsável do Partido na ilha do Sal, o José Tomás Veiga era responsável por Santiago eu era Comissário Politico da Praia, Euclides Fontes de S.Miguel, Braga Tavares na Cidade Velha e assim por diante. Isto é, nós éramos tão ingénuos ou românticos que eles chegaram e entregámos tudo de bandeja.
Era a ideia que tínhamos deles; de heróis de luta,grandes combatentes, colegas de Cabral, etc.
Portanto nós tinhamos efectivamente o Poder e entregámo-lo ao pessoal que vinha do «mato», da luta, de bandeja.
Mais depois, tempos depois, não muito tempo depois, veio a desilusão, a decepção foi quase imediata.
Eu lembro-me da primeira reunião da Direcção Nacional na Praia, presidida por Aristides Pereira em que participei.Foi já uma decepção por várias razões:
Por exemplo a questão da democracia interna, não se podia criticar livremente, então havia pessoas que estavam desiludidos com a forma como funcionava o regime, mesmo que tivessem formação e percurso político diferenciados, uns mais influênciados pelo marxismo, outros mais nacionalistas.
RA: Dos Combatentes quem eram os mais duros mais “pitbull” em reprimir as ideias contrárias...
JCF: Posso citar o nome do Silvino da Luz como pertencente á ala então vista como a mais radical que veio de Conakry e que várias vezes pediu as nossas “cabeças” o que Pedro Pires não aceitou da primeira vez mas em 79 quando houve uma clivagem mais forte, Pires foi inteligente e tomou conta dos acontecimentos e foi ele que ficou na vanguarda do combate aos ditos fraccionistas, liderando o processo da purga e do que chamavam a campanha de erradicação de ideologias estranhas ao partido.
Foi um periodo difícil, muito duro, eu, como muitos outros colegas por exemplo tinha um agente de segurança permanentemente no meu encalço, na minha casa, se fosse a Prainha tomar um banho no mar, tinha lá um segurança se fosse para uma festa particular e chegasse a casa de madrugada o segurança acompanhava-me sempre de caderno e caneta na mão.Não tinhamos hipótese de conseguir um trabalho.Pedimos emprego e foi sempre recusado. Entretanto, em Setembro de 1979 houve os acontecimentos da Brava, facto histórico que por sinal ainda é pouco conhecido em Cabo Verde ou na diáspora.Mas foram acontecimentos dos mais duros e marcantes do regime de partido único no nosso país.Eu e mais duas pessoas, Dulce Dupret e Daniel Lobo fomos retidos na ilha Brava durante 3 semanas, não podíamos sequer estar numa pensão privada, muito menos apanhar um barco ou alugar um carro.
Quando nos permitiram regressar tivemos de carregar as malas e ir a pé de Nova Sintra a Furna..uma humilhação tremenda, metidos num barco e vigiados por um pelotão de polícias e militares armados.Mas houve vítimas que mais sofreram, caso de David Barros, hoje nos Estados Unidos.Uma história muito triste....
Então eu tive que optar para sair do País. Fui para Portugal onde poderia além do mais findar os estudos superiores.
RA: Pediu asilo?
JCF: Na altura havia autorização de saída e que por pressão psicologica só recebias resposta uma hora e meia antes da viagem e por isso ficavas em dúvida se ia ser-te concedida ou não. Fui para Portugal, terminei o meu curso, fiz estágio de advogacia fiz um concurso para assistente estagiário na Faculdade de Direito de Lisboa, consegui entrar.... entretanto vinha a Cabo Verde de férias.
Estava ao mesmo tempo ligado a grupos oposicionistas como os Círculos Caboverdianos para a Democracia, CCPD.
RA: Tinha a ver com a UCID?
JCF: Não era outro grupo que eu ajudei a criar e de que faziam parte também Eurico Monteiro, Mário Silva, Henrique Monteiro, Daniel Lobo, Arnaldo Silva, Alfredo Teixeira, Jorge Teixeira, José Manuel Pinto Monteiro...
RA: O Grupo estava sediado na diáspora?
JCF: Uns estavam em Portugal e outros aqui em Cabo Verde. Tínhamos uma rede na clandestinidade, publicávamos um Boletim e do grupo faziam parte ainda, além dos nomes que citei ,o falecido Vani, e em Cabo Verde, Manuel Político, Iras, Luis Leite, Jorge Figueiredo, mais tarde Gustavo Araújo, João Brito advogado falecido há uns anos, então repare é algo que deve ser talvez estudado.Se comparar com o MPD dos anos noventa, com a sua liderança política inicial, pode ver que uma boa parte da liderança do MpD veio do CCPD.
RA: Foi então o CCPD que deu origem ao MpD?
JCF: Não se pode dizer isso, porque o MPD acaba por representar algo mais vasto e alargado, um forte movimento popular, social e político; acho apenas que,de certa maneira e em alguma medida, foi um movimento precursor mesmo a nível da sua liderança, se pensarmos na liderança colectiva.
Nomes como Dr. Luis Leite, Eurico Monteiro, Vani, José Manuel Pinto Monteiro, Arnaldo Silva, Mário Silva, Daniel Lobo, Jorge Figueiredo, Jorge Teixeira, Alfredo Teixeira... quer dizer foram todas pessoas que fizeram parte da primeira leva da Direcção política do MpD.

AVALIAÇÃO DO GOVERNO DO PAICV
RA: É de facto um assunto que merece ser tratado com mais profundidade, mas como estamos limitados pelo tempo vamos abordar outros assuntos. O PAICV é o partido que sustenta o actual Governo que já vai no seu segundo Mandato. Como Político, Homem que acompanha a coisa pública como avalia o desempenho deste governo em termos de liderança e nas realizações efectuadas versando como é evidente sobre aspectos positivas e negativos?
JCF: Se no primeiro mandato o PAICV chegou ao governo depois de 10 anos de travessia do deserto, onde deparou com um Governo do MpD que, no fim do seu mandato, já estava desgastado por ter tido algumas políticas incorrectas.
O PAICV com uma liderança nova a que se chamava dos “Jovens Turcos”, era natural esperar-se que a liderança de José Maria e do seu Grupo, Mário Matos, Basílio Ramos, Carlos Burgo, Júlio Correia etc. seria digamos a de um PAICV reformista,um PAICV renovador, um PAICV portanto que interiorizava os valores do chamado socialismo democrático ou do socialismo reformista.Deu a idéia inicialmente que era isso mas parece-me que com o tempo essa liderança teve alguma dificuldade em impor as suas políticas que aparentemente, pelo menos, no discurso, pelo menos, eram suas opções.Tiveram alguma dificuldade em tomar conta do próprio aparelho do PAICV.Isto é o sector mais conservador a que eu chamo do sector nacionalista revolucionário ainda consegue ser importante.
Encurtando razões e percurso na eleição de 2001 eu lembro de José Maria Neves, ao ser questionado sobre as presidenciais, se iam apoiar Pedro Pires nas Presidenciais, ter respondido que não tinha que apoiar ou não porque a candidatura Presidencial é uma candidatura de cidadania e não é partidária e que não tinha que declarar apoio a Pedro Pires.Ele foi até que terminou no último dia no palco a pedir votos para Pedro Pires.Sintomático...
Isso mostra que a lógica compressora do sector mais radical do PAICV é forte ainda e parece que continua a ser forte, estranhamente ou não...
RA: Está a falar da ala pirista digamos assim?
JCF: Sim, sim ainda é muito forte. Repare agora na corrida para as presidenciais.A disputa para a candidatura de quem vai ser o candidato apoiado pelo PAICV.
Retomando a sua pergunta ao Governo, eu considero que 10 anos é muito tempo para se estar à frente do Governo e esse Governo é relativamente fraco em alguns sectores é um governo que dá a idéia de que já não tem coisas novas para dar. Veja os cidadãos apostam num partido para a governação quando olha que esse governo tem mais valias para dar, se vai haver coisas novas para levar o País a frente.Dá a idéia de que com esse Governo as pessoas vão dizer no fundo é mais do mesmo.Apesar do esforço do primeiro ministro por modificar o discurso.
Em sectores importantes como a Segurança Interna, a Justiça, mas, sobretudo de emprego e isso tem a ver com as eleições. O governo falou em reduzir o desemprego a um dígito e isso está muito longe de acontecer.
Governo pode alegar o problema da crise internacional mas é preciso ver que o eleitorado é implacável no seu julgamento, muitas vezes não faz as mesmas ponderações que faz o governante.Falou-se num crescimento a dois dígitos e não está a acontecer, longe disso...
O Turismo que está a atravessar maus momentos e a própria situação internacional não é muito favorável ao PAICV e dentro de um ano, ano e meio teremos as eleições.
Temos um MpD que está na oposição que talvez já tenha aprendido com os erros do passado e tem uma nova liderança de uma pessoa experimentada que foi primeiro ministro durante 10 anos e que ainda tem uma dose de prestigio a nível social e que por isso pode mobilizar e galvanizar militantes e a própria sociedade. E tendo em conta ainda que foi o Partido que ganhou as Autárquicas há bem pouco tempo parece-me que á partida que o MpD tem boas condições, tem vantagens nas próximas eleições.
Penso que se o MpD não fizer muitas asneiras tem boas possibilidades de ganhar as próximas eleições e provocar uma nova alternância em Cabo Verde. Bem se houver os sociólogos podem estudar isso para ver se em Cabo Verde o nosso ciclo político normal é de dois mandatos, ciclos de 10 anos.

MPD, PAICV E A BIPOLARIZAÇÃO POLÍTICA EM CABO VERDE
RA: A Bipolarização é ideal para Cabo Verde?
JCF: Eu acho que não. Sempre achei que não mas é a realidade que ainda temos neste momento.Não é bom em tese geral, porque acentua a picardia política, dificulta o diálogo entre partidos para algumas questões que são essenciais para se obter algum consenso, não se debatem suficientemente as grandes questões nacionais, não favorece a extensão da democracia. Essa idéia de cultura de cidadania, de criação de instâncias da sociedade civil capaz de novas idéias capazes de introduzir novos fluxos de idéias para o interior dos partidos e para o interior do Estado tudo gira á volta digamos assim da possibilidade ou não de diálogo entre dois partidos políticos no parlamento e na administração pública, nos sindicatos e até nas Universidades e muitas vezes na família.O que temos é algo manietador de uma capacidade digamos de regeneração e de diversificação a nível social, político e cultural.
Eu estou convencido de que daqui a mais ou menos alguns anos poderemos ter uma recomposição do quadro partidário em Cabo Verde mas talvez não para agora.Isso porque tem a ver talvez com a cultura e história política de Cabo Verde mais recente.
Hoje em Cabo Verde discute-se a natureza, por exemplo, do MpD se é de esquerda, do centro, se é humanista, se é liberal. Se o PAICV é de esquerda quer dizer as vezes parece-me ser uma questão mais de etiqueta porque os partidos em Cabo Verde e estou a falar sobretudo do MPD e do PAICV, o que os diferencia sobremaneira é a cultura, a história, o percurso,é a simbologia.Para os cabo-verdianos quando pensam no PAICV pensam na independência e o MpD, democracia e liberdade.Então são duas referências simbólico-historicas do País que polarizam os cabo-verdianos para um lado ou para o outro.
RA: Está a dizer-me que não há diferenças entre esses dois partidos?
JCF: Claro que há diferenças e importantes, mas como já disse apenas do ponto de vista cultural, vá da cultura política.Estão no MpD pessoas que sobretudo acentuam os valores de Liberdade e da Democracia e no PAICV pessoas que reivindicam a história da independência nacional, patriotismo, africanidade quer dizer as diferenças entre os dois são mais diferenças culturais, de percurso e de referências de cultura,de percurso e de referências de cultura política.Se quiser, de matriz.Se se pensar em termos de esquerda e direita tradicional encontras pessoas de esquerda liberal, da esquerda democrática moderna no MPD assim como encontras no PAICV pessoas conservadoras que não têm nada de socialista.Estão no PAICV por causa do Pires, da luta, de Conakry, de Cabral, das cores da Bandeira, da bandeira com a espiga de milho, vermelho e verde, pessoas que vestem trajes do Bob Marley e passa sobretudo pelo domínio simbólico.
Suponho que se poderia dizer que o MPD e o PAICV representam, simbolizam, visões diferentes da história recente do País.
Na representação colectiva,o MPD traduz a liberdade e a democracia,o partido que trouxe a democracia e a liberdade, o PAICV a imagem de luta pela independência. Deste modo,fazem-se as divisões, mesmo em termos eleitorais.
E já agora posso dizer que talvez isso explique, em parte, apenas em parte diga-se para além do trabalho que os nossos partidos fazem ou deixam de fazer num País como os Estados Unidos alguns sectores de jovens cabo-verdianos, sobretudo cabo-verdianos que vivem lá há muito tempo ou descendentes de cabo-verdianos, podem aproximar-se mais do PAICV por causa de elementos como a afirmação dos negros americanos, da eleição recente do Presidente Obama, do discurso do PAICV sobre patriotismo, uma maior aproximação em relação a África, Cabral e o seu legado pan-africanista, elementos simbólicos e de representação colectiva ligados, por exemplo, á música de um Bob Marley são outros tantos elementos símbolos identitários que aproximam mas esses jovens ao PAICV, ao seu discurso e aos seus símbolos enquanto passam a mensagem que o MPD é um partido mais europeísta, mais liberal mais próximo de Portugal, da União Européia e isso pode fazer com que alguns sectores na diáspora se afastem do MpD.

CABO VERDE E CEDEAO
RA: Bem antes de entrarmos no Dossiê Presidencial queria perguntar-lhe o que pensa sobre a circulação de pessoas dentro do espaço da CEDEAO. Na diáspora por exemplo muita gente opina que Cabo Verde deve tomar medidas no sentido de limitar a entrada de pessoas da CEDEAO no País devido sobretudo ao elevado numero de desempregados que temos no País. O que pensa sobre esse assunto?
JCF: Eu confesso que é um assunto que em termos profissionais não conheço muito bem. Não conheço os dossiers, não conheço bem os protocolos adicionais.Mas tenho lido opiniões como, por exemplo, de José Tomás Veiga que propugna uma saída;li uma opinião tecnicamente bem fundamentados de José Pina Delgado, um jovem acadêmico que trabalha comigo no ISCJS e que é critico ao facto de termos subscritos alguns protocolos em relação à segurança e temos, a nível social esse fantasma ou divergência, se devemos condicionar ou não a presença de pessoas desses Países em Cabo Verde.Eu penso que devemos ter alguns cuidados.
Primeiro somos um País de emigrantes e por isso a entidade governativa tem que ter algum cuidado com um discurso muito forte no sentido de fecharmos o País, termos medo dos imigrantes, que só trazem mal, associar os imigrantes á criminalidade, ao tráfico de droga etc. É um discurso que temos que evitar. É o discurso que nalguns países se faz em relação a nós, aos nossos conterrâneos.
Mas temos que ter também algum pragmatismo.Eu não tenho uma base sólida que diga que aconselhe sair da CEDEAO. Acho que devemos gerir a nossa presença na CEDEAO de forma equilibrada, de forma inteligente.Digo também que devemos estar na CEDEAO e na UNIAO AFRICANA sem complexos em pugnar pelos valores que defendemos, temos uma identidade de Nação e igualmente uma identidade enquanto Estado.
Elas não podem estar fora do quadro de vectores que influenciam a nossa política externa.
A política externa deve ser pragmática, mas não pode estar vazia de valores.A política externa está condicionada por regras e princípios constitucionais.A constituição não pode estar fora da diplomacia, se assim posso exprimir-me.
Lembro-me de quando fui MNE embora fosse extremamente incómodo na altura na OUA fazer um discurso sobre a Democracia e o Estado de Direito o que parecia quase suicida ou provocatório, fí-lo, tive que o fazer.Quer dizer que não podemos estar a conviver acriticamente com Estados que promovem matanças,golpes de Estados, seqüestro de pessoas, manifestações racistas etc. se não manifestarmos livremente a nossa posição, se não podemos fazer, não estamos a fazer nada nessas Organizações.
Se ficarmos na CEDEAO temos que estudar a hipótese de limitar a circulação de pessoas dentro da Organização. Pode ser feito de duas maneiras:
Uma hipótese é estudar a hipótese de algumas reservas, alguns condicionamentos à eficácia plena de protocolos ou de partes de Convenção relativas à circulação de pessoas e bens ou então por outra via o facto de as pessoas poderem circular aqui não quer dizer que podem residir aqui de qualquer maneira, isto é podemos regular a estada de pessoas no País. Tem que ter autorização de residência,tem que ter algumas condições para ter a residência aqui como existem em todos os Países.Digamos que é um debate por aprofundar e confesso não ter uma visão e propostas de solução acabadas.

DOSSIÊ PRESIDENCIAL
RA: É verdade que em 2001 teria sido convidado por José Maria Neves para ser candidato apoiado pelo PAICV para as presidenciais?
JCF (risos): Eu acho que ainda é cedo para eu me pronunciar sobre este assunto. Algum dia poderei falar sobre isso.Eu acho que ainda é cedo para falar das condições que me permitiram.., levaram de certo modo a avançar com a minha candidatura em 2001.Mas é evidente que eu não era nenhum adolescente para avançar com a minha candidatura apenas por uma aventura.Evidentemente que houve um certo número de condições, pressupostos para a minha candidatura, alguns falharam durante esse percurso.Mas eu não sou do tipo para estar a queixar-me, arranjar desculpas, fui até ao fim e tive o resultado que tive e não estou arrependido de ter participado na corrida presidencial. Eu acho que foi positivo do ponto de vista da pedagogia democrática, aceitei os resultados sem problemas e contribuí em certa medida para uma experiência única uma segunda volta nas eleições presidenciais em Cabo Verde em 2001 e um interessante debate na sociedade cabo-verdiana sobre a função presidencial no nosso sistema político vigente.
RA: Então foi-lhe ou não endereçado o convite?
JCF: Na altura houve outro candidato presidencial que veio a dizer ter sido convidado pelo dr. José Maria Neves para ser candidato com o apoio do PAICV e que depois teria voltado atrás. E portanto não vale à pena agora trazer mais elementos.Talvez um dia se venha a escrever alguma coisa sobre o período recente da História de Cabo Verde e posso vir a referir-me, com mais minúcias, sobre essa minha candidatura presidencial em 2001.Sem dramas, tranquilamente...
RA: Para as Eleições Presidenciais em 2011 fala-se no País e na Diáspora de alguns nomes que podem ser apoiados pelo MpD de entre os quais o senhor. Se o MpD o convidasse para ser o seu candidato aceitaria participar na corrida Presidencial?
JCF: Eu não sei se os procedimentos estatutários do MpD permitem convidar alguém. Suponho que seja a Direcção Nacional a deliberar formalmente o apoio a alguma candidatura, que não é de origem partidária mas sim dos cidadãos mas que os partidos podem apoiar.
O MpD pode estimular ou apoiar uma candidatura de uma pessoa que sabem ter disponibilidade em ser candidato.
A segunda coisa que posso dizer é a seguinte: a experiência que tenho de Cabo Verde felizmente ou infelizmente, independentemente digamos do perfil de titular do cargo para Presidente da República definido pela Constituição que será assegurado na prática política, na prática eleitoral, a verdade é que neste momento não há condições para que um candidato ganhe as eleições Presidenciais sem apoio de um dos grandes partidos.
Tem que ter o apoio do MpD ou o apoio do PAICV. Quer dizer um candidato independente que avance para a candidatura presidencial e que não consegue apoio nem do PAICV nem do MpD, ou se estes partidos apoiarem uma candidatura deles, digamos, tem muitas dificuldades em ganhar as eleições.Pode ir e fazer uma boa campanha e ter um resultado razoável; e também parto da idéia de que não se vai para as eleições só para ganhar, evidentemente que uma candidatura em principio é para chegar ao poder também é legitimo o exercício do Poder, nem todos os partidos ganham as eleições por exemplo, nem vai ser Governo mas pode ter um bom grupo parlamentar, ser uma força de equilíbrio entre as grandes forças políticas. Na mesma óptica pode haver candidatos presidenciais que vão atrás da idéia de divulgação de idéias, de um projecto político ou de sociedade, de cidadania, um exercício para o futuro etc. mas para ganhar é preciso ter o apoio de uma das duas grandes forças políticas em Cabo Verde. A prática mostra isto com clareza.
Terceiro ponto que queria lhe avançar, eu apesar de não estar na política partidária activa desde dia 16 de Fevereiro de 1998, que foi o último Congresso do PCD mantive sempre e até agora uma atitude de atenção em relação ao fenómeno político, de intervenção cívica, crônicas em jornais, entrevistas para os órgãos de comunicação social, participação em revistas de especialidade jurídica, conferências e palestras nos municípios, para jovens, nos Liceus, Universidades etc.Isto significa que não fiquei desatento ou por fora do que se passa na vida política e social do país.Intervenho como cidadão e como um militante do Estado de Direito e da Democracia. Sobretudo neste momento, a minha postura em Cabo Verde é a de um cidadão que pretende qualificar a Democracia em Cabo Verde, aprofundá-la, desenvolve-la.Tenho insistido na idéia de que a democracia é um processo irreversível em Cabo Verde, não há lugar a recuo, não é possível regressar ao tempo do Partido único como é evidente, felizmente, mas é uma democracia que tem algumas fragilidades isto é os pilares do Estado de Direito e da democracia ainda são poucos consistentes.O que temos ainda é insuficiente.
Por exemplo a independência e consistência do poder judicial, uma imprensa livre e forte e uma opinião pública também crítica e consistente.São três pilares do Estado de Direito que não temos ainda em Cabo Verde pelo menos se pensarmos em termos de pilares já sólidos.Portanto a minha luta tem sido esta. Quando tive a iniciativa de criar a Revista Direito e Cidadania ...ou de criar o Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais pensei nisso, a minha intervenção nos Jornais, a minha intervenção cívica é para ajudar, para contribuir, na medida das minhas possibilidades e das minhas forças, para fortalecer esses tais pilares da democracia, do estado de direito, da cidadania democrática, que supõe também o desenvolvimento cultural no seu sentido mais amplo e fecundo.
Eu acho que no sistema do Governo que nós temos na Constituição, o Presidente da República tem que ter um papel fundamental para fortalecer os pilares de que lhe falei. Contrariamente o que algumas pessoas dizem hoje em dia o Presidente da República tem ou pode ter um papel decisivo no sistema de Governo, num seu bom funcionamento,dependendo do equilíbrio de forças no parlamento, se tem maiorias absolutas ou não, se governos são maioritários ou não.
RA: A tal magistratura de influências...
JCF: A magistratura de influência é fundamental. Um Presidente da República para além de poderes visíveis que as pessoas conhecem, têm outros.Bem tem o conhecido poder de fiscalizar a constitucionalidade de normas, o que é um importante poder conformador, de defesa da vigência da Constituição.Tem o poder de veto político que também é importante. Um Presidente que veta politicamente um diploma deve explicar também á sociedade por que o vetou.Porque o veto não é só por ser inconstitucional.Um Presidente entre nós tem o poder de vetar um diploma sobre a educação, sobre a saúde ou sobre a segurança ou justiça mas não pode fazê-lo arbitrariamente, é evidente, mas sim por razões de justiça, de adequação aos fins do estado de direito;é preciso fazê-lo com um certo equilíbrio.Ele tem o poder de nomear o Primeiro Ministro, Membros do Governo, tem poderes no âmbito do sistema embora isso seja hoje mais discutível mas sobretudo um Presidente da República tem poderes que eu acho que são poderes invisíveis;é por isso que é importante o diálogo que deve ter com as forças políticas e sobretudo com a sociedade civil.Um Presidente da República acaba por ter, mesmo no nosso sistema muitos poderes.Nada impede por exemplo o Presidente da República de falar sobre o estado do ensino superior no País,sobre a qualidade do ensino no País, se o ensino superior está a ir no bom caminho ou senão.
Nada impede o Presidente da República de numa conferência de imprensa, numa Declaração á Nação, numa pequena entrevista, de falar sobre a política da saúde ou de justiça por exemplo. Se a política do governo em relação à epidemia de Dengue está correcta.Em matéria de política externa, das nossas relações com a África, com a Europa, no quadro da CPLP, sobre a diáspora.Sim a idéia de que ele é um garante de unidade nacional, representante da Nação, leva a que um Presidente tenha um papel importante em relação às nossas comunidades no exterior, ele pode e deve ser um elemento-chave no diálogo entre o País e a diáspora.É claro que não pode interferir na política do governo para a diáspora, da emigração nem na política da Justiça, são competências constitucionais do Governo e o Presidente não pode aí interferir.Pode dialogar com a sociedade;pode emitir opinião sobre a segurança, a justiça.
Sobretudo num Estado de Direito e da Democracia existe fluxo de valores e de princípios de democracia, do Estado de Direito, de liberdades, de direitos individuais, quer dizer, estes são os pontos fortes que se o Presidente for um democrata convicto, um militante do estado de direito, tem um papel relevantíssimo para aprimorar a democracia e fortalecer o estado de direito,exercer a sua magistratura de influência política e moral sobre o conjunto da sociedade e também ajudar o governo a exer cer o seu poder.Quero dizer, enfim que não se pode ser um Presidente omisso e de braços cruzados.É claro que também não pode ser um presidente que interfere nas esferas que são do governo mas deve ser um Presidente presente, atento, uma instância viva e crítica sempre que necessário.
RA: Vejo-o a falar do cargo Presidencial com tanto entusiasmo que a conclusão que chego é que está disponível a avançar para a corrida
JCF (risos): Não eu quero dizer que sempre fui entusiasta desse sistema de governo como o nosso. Eu acho que é um bom sistema para Cabo Verde...
RA: (risos) mas notei que seus olhos brilhavam mais, os gestos mais nervosos quando começou a falar sobre as presidenciais...
JCF: Não eu sou adepto, ás vezes entusiasta desse sistema de Governo que acho que ainda não foi suficientemente testado em Cabo Verde e pode ser melhor testado.Já agora posso dizer que pode existir um exercício de função presidencial diferente do que temos tido até agora.
E agora respondendo à sua pergunta directamente digo que se sou militante da democracia do estado de direito e de cidadania e se eu já disse que o Presidente pode ter um papel importante nisso, se o meu contributo para o reforço do Estado do Direito e da Cidadania passar por eu disputar e eventualmente exercer o cargo do Presidente da Republica não estou em condições de dizer que não.
Quero dizer com toda a frontalidade e sem falsas modéstias que entendo ter as condições para tanto, tenho idade suficiente, percurso político, e acho que reúno as condições.Evidentemente um pressuposto fundamental seria ter apoios claros e consistentes para ser uma experiência bem sucedida e posso adiantar-lhe mais..não posso negar até porque na Convenção do MpD pessoas citaram o meu nome, assim como em artigos publicados na imprensa a estimularem a uma candidatura que há várias figuras do MpD, Dirigentes nacionais, deputados, dirigentes locais, personalidades independentes, ou ligadas à UCID, ou até pessoas próximas do PAICV que me têm abordado e me têm estimulado ou encorajado a candidatar-me. E portanto quero dizer que se aparecerem condições de algum consenso, que dá digamos algum peso a uma candidatura de sucesso, ponderarei e poderia então mostrar a minha disponibilidade.
Agora o MpD está a sair de uma Convenção e tem uma nova liderança e não seria curial da minha parte estar a pôr-me em bicos de pé, a fazer alguma especulação e ruído no processo político de um Partido de que fui um dos fundadores, estive no seu primeiro governo como MNE, fui da sua Comissão Política e de que me afastei em 94, mas digamos um partido que perfilha muitos valores que comungo. Creio que até ao fim do corrente ano poderei pronunciar-me sobre esta questão de forma mais clara e decidida.
Se anunciar que estou disponível e quando o fizer é porque irei até ao fim.
RA: Mesmo sem o apoio partidário avança?
JCF: Não. Quer dizer eu não vou para nenhuma aventura.
Se algum dia vier a anunciar que estou disponível para a candidatura presidencial é porque na avaliação que eu fiz acho que tenho apoios suficientes para ser uma candidatura de sucesso.
RA: Imaginemos um cenário. Muitos analistas políticos cabo-verdianos consideram que o senhor vai ser o candidato apoiado pelo MpD.
Caso isso vier a concretizar de verdade qual dos cinco candidatos do PAICV que já manifestaram a sua candidatura gostaria de ter como adversário?
JCF (risos): Isso é um exercício complicado que não vou estar em condições de fazer.Claro que às vezes escrevo como comentador e tenho mais liberdade para dizer certas coisas.
Como comentador sei que já foram ventilados nomes como os de Aristides Lima, de Hopffer Almada, Manuel Inocêncio, Silvino da Luz. Há dias também ouvi a falarem no Corsino Tolentino.
O que posso dizer é que são pessoas que têm requisitos para se candidatar, são pessoas com posições de proeminência no quadro do PAICV ou muito próximo dele.
Um é presidente do parlamento, já foi líder do PAICV, outro já foi ministro da justiça, anos como deputados, outro já foi ministro da cultura, outro embaixador, ministro, portanto pessoas com experiência política e governativa.
Como observador parece-me que as várias pré candidaturas ou candidaturas a candidaturas têm ver como já disse anteriormente com a existência de sensibilidades dentro do PAICV. E se a minha leitura não estiver errada, pelos apoios que parece que publicamente possui,teria também apoios dos sectores mais tradicionalistas ou conservadores do Partido, sector que as pessoas chamam de sector pirista, parece até ter apoios de personalidades como Felisberto Vieira, Sidónio Monteiro, e tudo isso pode ser importante para a candidatura do Aristides Lima à presidência, no quadro do PAICV. Sobretudo a partir do momento em que José Maria Neves se recandidatou à liderança do PAICV.A menos que num golpe de teatro José Maria Neves venha a ser o candidato presidencial.Não se trata, para alguns comentadores de uma hipótese totalmente de afastar.Vamos ver por exemplo o que se passa no âmbito da revisão constitucional, se haverá inclusão ou não de uma cláusula que separe no tempo as eleições legislativas das presidenciais.
As outras candidaturas parecem-me candidaturas fora desse quadro de apoios. Alguns casos parecem mais balões de ensaios, alternativas numa disputa entre vários segmentos dentro do PAICV.Se posso ir um pouco mais longe parece-me que JMN neste momento não terá o controle total do aparelho do Partido sobretudo do sector mais claramente do que tenho chamado o sector do nacionalista revolucionário que é ainda forte.Mas de todo o modo, José Maria Neves é o maior trunfo eleitoral que o PAICV tem para as legislativas e portanto o PAICV não podia dar um tiro no pé e todos se juntaram para apoiá-lo na corrida a liderança do Partido e para se candidatar, em princípio, ao cargo de primeiro ministro.
Pode acontecer que a contrapartida desse apoio seja que José Maria Neves não indique o candidato presidencial, mas que seja o sector pirista a fazê-lo.E olhando deste ponto de vista talvez a candidatura do Aristides Lima possa vir a ser privilegiada por isso mesmo.Mas há de outro lado, alguns handicaps de Lima... por exemplo muito criticado pelo seu desempenho com Presidente da Assembleia Nacional, visto por muitos como autoritário e parcial...

MENSAGEM AOS EMIGRANTES
RA: Para terminar quer mandar uma mensagem para os cabo-verdianos residentes no exterior, sobretudo para os jovens da segunda geração e perguntava-lhe como é que esses jovens devem interagir com a terra dos seus pais?
JCF: É uma posição complicada, mas também estimulante. É uma realidade que conheço bem.
A modificação da nossa personalidade devido a outros valores, culturas diferentes e, portanto a possibilidade de alteração da própria história das nossas raízes e ao mesmo tempo está-se num País com outro tipo de desenvolvimento e outros valores e sentimos a necessidade de também nos integrarmos nele.
Quer dizer, as pessoas têm que se integrarem nos Países de acolhimento. É um erro isolar-se, pensar-se em guetos. Se por exemplo, se vives em Portugal, America ou Holanda você tem que se integrar não pode ser um corpo estranho à sociedade onde vive, a pessoa tem ao menos tentar integrar-se o mais e melhor possível. Integração não significa perda das referências identitárias,de modo nenhum.
Você pode viver em Portugal e na Holanda e respeitar as pessoas, e observar as regras de comportamento das pessoas do ponto de vista cultural, inclusivamente pode participar na vida política e cívica se esses Países assim o permitirem.Isto significa que pode existir uma dualidade que pode ser interessante e pode ser quase digamos uma fatalidade para as pessoas que optam, por uma razão ou outra, quase sempre válida e legítima, por uma vida de emigração.E não se pode ter complexos quanto a isso não se pode pensar nessa idéia de romantismo de quem não regressa não é patriota,não gosta da sua terra.São opções de vida legítimas, perfeitamente naturais.Se a vida no País não te favorecer tens que procurar uma vida melhor fora do teu País.Eu também já fui emigrante por outras razões e eu não tenho nenhuns complexos por isso.Vivi muitos anos em Portugal e ainda mais dois em Macau.Pode ser-se, sentir-se cabo-verdiano, ser patriota estando na Praia, na Brava, na Amadora, em Roterdão ou em Brockton, quer dizer que interessa é manter a tua ligação que tens com as tuas raízes, com a língua , a cultura , música, modo de estar com os outros.
E se podes participar politicamente nos países de acolhimento participa e gostaria de também de fazer um apelo aos cabo-verdianos no exterior que participem também mais na vida política em Cabo Verde sobretudo nas eleições legislativas e presidenciais.Diria mais em jeito quase provocatório, sobretudo nas Eleições Presidenciais em que se escolhe o representante da Nação.
A eleição presidencial para mim é eleição que mais tem a ver com a diáspora porque o Presidente da República no âmbito da função essencial de representação da Nação cabo-verdiana tem que ter uma ligação permanente entre as ilhas e as nossas Comunidades emigradas tem de fazer um permanência a articulação entre as duas porções da nossa Nação.. Foi com o MpD que os emigrantes tiveram direito ao voto e por curiosidade histórica digamos (risos) que a vitória nas presidenciais por parte do candidato do PAICV deve-se, sobretudo, ao voto dos emigrantes. Mas não devemos queixar-nos disso. As pessoas devem votar nos candidatos que quiserem e com inteira liberdade.
O importante é que de facto as eleições se realizam num ambiente de clareza, de transparência,que propicie a tal liberdade de escolha e os resultados traduzam a expressão livre dessa escolha.
FORCV.COM-POR NORBERTO SILVA

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