LISBOA-Quase dois anos depois de ter sido assinado na capital portuguesa pelos 27, o tratado reformador da União Europeia entra hoje em vigor. A ocasião vai ser assinalada com uma cerimónia rápida e simbólica na Torre de Belém. Estarão presentes e discursarão o Presidente e o primeiro- -ministro de Portugal, Cavaco Silva e José Sócrates, os presidentes da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu, Durão Barroso e Jerzy Buzek, o presidente em exercício da UE, Fredrik Reinfeldt, o novo presidente permanente do Conselho Europeu, Herman van Rompuy, o primeiro--ministro espanhol, Rodríguez Zapatero, cujo país assume em Janeiro a presidência rotativa da UE. Presente também estará a nova alta-representante para a Política Externa e de Segurança Comum, Catherine Ashton, que não está previsto discursar. O DN apresenta aqui dez mudanças que este tratado vai trazer para Portugal.
O direito de petição
A partir de agora, os cidadãos dos vários Estados membros podem juntar-se para obrigar a Comissão Europeia a propor legislação sobre uma matéria que consideram importante. O tratado fala apenas em nacionais de um número significativo de Estados membros. O mínimo de pessoas para pôr em andamento uma petição deste género é de um milhão. Nada difícil de conseguir, na era dos fóruns sociais na Internet, como o Facebook ou o Hi5. A medida visa combater o défice democrático na UE.
A perda de peso nas votações do Conselho
A partir de 2014 passa a haver uma nova ponderação de votos assente numa dupla maioria de 55% de países que somem 65% da população da UE. Em consequência disso, Portugal terá menos peso nas decisões. No actual esquema, previsto no Tratado de Nice, Portugal pesa 3,4% em cada votação, tem 12 votos e são necessários 88 para bloquear uma decisão. No futuro, para travar uma decisão, necessitará de coligações maiores. Com dez milhões de habitantes, Portugal pesa apenas 2% nas votações do sistema proporcional. A votação por maioria qualificada passa a ser a regra, estendendo-se a 40 áreas, como justiça e assuntos internos. A unanimidade mantém-se, porém, em matérias fiscais, por exemplo. Alemanha, França e Reino Unido terão maior facilidade em formar alianças.
A manutenção do comissário português
Após negociadas as garantias para a Irlanda, a UE permitirá que cada país mantenha o seu comissário europeu. Nice e Lisboa, antes do compromisso com a Irlanda, obrigava à redução e a um sistema rotativo, por uma questão de eficácia, uma vez que a UE tende a aumentar e não há pastas para atribuir a todos os Estados membros. O português Durão Barroso foi reeleito presidente da Comissão até 2014. Depois disso, Portugal voltará a ter direito a um comissário. E tudo graças à pressão dos eleitores irlandeses, que só aprovaram o Tratado ao segundo referendo.
Maior fiscalização por parte da Assembleia
Os parlamentos nacionais terão mais poderes para fiscalizar o princípio de subsidariedade, ou seja, garantir que a UE só intervém em certas áreas quando os países não conseguem resolver as questões. Assim, os deputados da Assembleia da República continuarão a avaliar as propostas de legislação comunitária, vendo o prazo para o fazerem alargado de seis para oito semanas. Além disso, quando um terço dos parlamentos dos 27 países da UE acharem que é preciso rever uma proposta legislativa, podem reenviá-la à Comissão Europeia.
A perda de liderança nas presidências da UE
Portugal, quando voltar a exercer a presidência rotativa da UE, dentro de 15 anos, já não vai ter o primeiro-ministro a liderar o Conselho Europeu e o chefe da diplomacia a chefiar o Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros. Isto porque o Tratado de Lisboa cria dois novos cargos, o de presidente permanente do Conselho, com mandato de dois anos e meio, renovável uma vez, e o de Alto representante para a Política Externa e de Segurança, que é ao mesmo tempo vice-presidente da Comissão. Os nomes escolhidos para ocupar os cargos pela primeira vez foram o belga Herman van Rompuy e a britânica Catherine Ashton. Esta opção foi tomada para criar uma representação estável da UE a nível externo. A nível das outras formações do Conselho de Ministros continua a haver presidências rotativas de seis meses.
A hipótese de sair da União Europeia
Os Estados membros vão ter, pela primeira vez, a possibilidade de entrar e sair na União Europeia consagrada num tratado. É uma cláusula que foi herdada do defunto Tratado Constitucional Europeu e era considerada como uma das suas maiores inovações. Assim, quando alguém em Portugal fizer como o ex-ministro da Agricultura Jaime Silva, que perguntou aos agricultores se queriam sair da UE, no meio de uma discussão, os cidadãos já podem responder que 'Sim'. Muitos críticos do Reino Unido já chegaram a sugerir que este país eurocéptico poderia ser o primeiro a fazer uso desta nova medida.
O respeito pelos direitos fundamentais
A Carta dos Direitos Fundamentais, assinada em 2000, passa a ter carácter vinculativo, obrigando, por isso, a UE a respeitar os direitos fundamentais dos seus cidadãos na legislação comunitária. Apesar de não estar fisicamente dentro do tratado, foi proclamada em Estrasburgo, em 2007, e consta numa declaração anexa. Reino Unido e Polónia obtiveram derrogações neste capítulo, um por não querer que direitos como o da greve sejam impostos a partir de fora, outro por não quer flexibilizar o direito ao aborto e dar mais direitos dos homossexuais. No mês passado, numa manobra de última hora, a República Checa conseguiu também a garantia de que não será obrigada pelo Tribunal Europeu das Comunidades, no Luxemburgo, a devolver terras confiscadas aos alemães sudetas na II Guerra Mundial. Este tribunal vai também ver se as leis nacionais na área da justiça e assuntos internos estão em conformidade com o direito comunitário. Também aqui há derrogações, para o Reino Unido e para a Irlanda.
Integrar uma Zona Euro com mais peso
O euro, moeda única, é um bom exemplo de como a UE a duas velocidades pode funcionar. Portugal integra desde o início o pelotão da frente nesta matéria e é um dos 16 países que actualmente pertencem à zona euro. O Eurogrupo, grupo de ministros das Finanças desses 16 Estados, vai ser formalizado pela primeira vez e ter um presidente com um mandato de dois anos e meio, renovável uma vez. Jean-Claude Juncker, primeiro-ministro e ministro das Finanças do Luxemburgo, que já é o presidente do Eurogrupo, deve ser hoje escolhido para este mandato permanente que cria o tratado. A reunião surge depois de ontem, em Bruxelas, os ministros das Finanças dos 27 terem dado até 2013 para que Portugal equilibre o défice. As actuais regras europeias admitem um máximo de 3% e o país ultrapassa actualmente esse valor.
Menos eurodeputados mas com mais poder
O Parlamento Europeu vê o seu número de deputados limitado a um número máximo de 750, mais o presidente. Portugal passa a ter 22 deputados na legislatura de 2009--2014, quando tinha 24 na anterior. Estes terão, porém, mais poder, uma vez que o Tratado de Lisboa alarga as áreas de co-decisão. Assim, os eurodeputados serão parceiros do Conselho e da Comissão na aprovação de leis, em áreas como o direito de asilo, espaço Schengen ou cooperação judiciária. E controlarão em cerca de 95% a legislação comunitária.
Ajudar e ser ajudado em caso de catástrofe
O Tratado de Lisboa cria uma cláusula de solidariedade entre os Estados membros da União Europeia, para que haja uma reacção rápida perante determinadas situações, como catástrofes naturais ou ataques terroristas. A regra é que, perante cenários e ameaças deste tipo, os 27 ajam e respondam em conjunto.
DN.PT
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