ROTTERDAM-O ministro da Cultura, Manuel Veiga, esteve na Holanda a convite do Cônsul Geral de Cabo Verde em Roterdão, Felino Carvalho, para legitimar a tomada de posse dos membros da casa da cultura inaugurada em 2008.
No Domingo, 26, Manuel Veiga proferiu uma palestra, seguida de debate sobre a “O ALUPEC e a oficialização da língua cabo-verdiana”. Começou o seu discurso, em crioulo, dizendo que o tema era sobre língua, mas que estaria disposto a responder, na segunda parte, outros assuntos relativamente à cultura.
Disse que a língua cabo-verdiana está na ordem de dia em Cabo Verde, provocando debates, levantando emoções, paixões , provocando até reacções de raiva. Citou a escritora luso-caboverdiana Isabel Barreno que diz que “Cabo Verde é um arquipélago global” e que lá onde se encontra um cabo-verdiano no mundo está também Cabo Verde com a sua história, com a sua língua, a sua cultura. Disse também que na Holanda, onde se encontram muitos cabo-verdianos, a dimensão de Cabo Verde é ainda maior.
HISTÓRIA DO CRIOULO SEGUNDO MANUEL VEIGA
Segundo Manuel Veiga, no século XV a língua cabo-verdiana ainda não existia. Revelou que a mulher escrava teve uma papel fundamental na formação da nossa língua no sentido de fazer com que a pouco e pouco o “senhor branco” passasse a desviar do português padrão para um modelo que veio dar depois a origem ao crioulo.
Só a partir do século XVII é que o crioulo passa a ter uma “personalidade própria” e começa a autonomizar-se. Cita o historiador cabo-verdiano António Carreira que comprova essa tese. No século XVIII é que começou a haver orientações contra a língua crioula falada nas ilhas.
Em 1784, diz, houve um inspector que não assinava o seu nome mas que tudo leva a crer ser um eclesiástico que escreveu ao Rei de Portugal no sentido de adoptar medidas porque os “reinos”que estavam em Cabo Verde já habituaram a língua da terra e tinham esquecido o português. Então o crioulo começa a ser falado segundo Veiga como “ameaça a unidade do império” e o crioulo começou então a ser proibido. E essa proibição contribuiu para um fraco desenvolvimento da língua cabo-verdiana.
Mesmo assim no século XIX começa a aparecer trabalhos em língua cabo-verdiana. Adolfo Coelho em 1880 debruçou-se sobre o dialecto falado em Cabo Verde. António de Paula Brito surge com a primeira proposta da escrita do crioulo: “Apontamentos para a gramática do crioulo que se fala na ilha de Santiago de Cabo Verde”. Eugénio Tavares em 1932, Pedro Cardoso em 1933 e cita muitos outros autores.
Fala da revista claridade e do “primeiro trabalho cientifico” sobre a língua cabo-verdiana feito por Baltazar Lopes da Silva em 1957 intitulado “O Dialecto crioulo de Cabo Verde”. Citou poetas e compositores como B-Leza, Ana Nobu, Manuel D`Novas que fizeram um trabalho extremamente importante nas tradições. Realça que nos anos 70 pelas razões óbvias que tem a ver com a luta de libertação nacional o crioulo deu um salto enorme.
Continua Veiga dizendo que com a independência em 1975 o Crioulo passou a ser tratado como língua nacional. Cita 1979 ano em que foi realizado o Primeiro Colóquio Internacional para a Valorização do Crioulo de Cabo Verde. Foi também implementado o projecto de alfabetização bilingue (crioulo e português) quando Corsino Tolentino era ministro da educação e diz que o crioulo foi nessa altura introduzida na Escola de Formação dos Professores do Ensino Secundário. 10 anos depois do Colóquio de Mindelo, em 1989, foi realizado um Fórum em que se tomou a decisão de uma refundação do alfabeto cabo-verdiano e foi a partir daí que se começou, segundo Manuel Veiga, a falar do ALUPEC. Criou-se uma comissão de padronização que ele fez parte. Esse grupo fez uma proposta para a criação do Alfabeto Unificado para a Escrita do Cabo-Verdiano-ALUPEC.
Na década de 90, segundo o palestrante, a valorização do crioulo ganha um novo dinamismo e que no campo académico surgiram pessoas que usaram como tese de doutoramento o estudo da língua cabo-verdiana. Destacou Marlyse Baptista, Nicolas Quint e o próprio Manuel Veiga que fez a defesa do seu doutoramento sobre a língua cabo-verdiana em 1998. Foi na década de 90, disse, que foram tomadas importantes medidas para a defesa do crioulo, destacando o decreto lei 67/98 de 31 de Dezembro que aprovou o Alfabeto Unificado para a Escrita do Cabo-verdiano(ALUPEC). Falou também da Revisão Constitucional de 1999 que consigna a criação de condições para a oficialização do crioulo em paridade com a língua portuguesa.
A publicação, em 2002, do dicionário do crioulo da ilha de Santiago por um alemão que aplica já o ALUPEC. falou dos muitos trabalhos publicados que usam o alupec e dos seus livros.
Disse Manuel Veiga que ele costuma dizer aos seus opositores que a sua tese está toda escrita, que não fala por isso sem conhecimento de causa. Ressalva que é normal muita gente não estar de acordo com o que ele escreve. Manda um recado para alguns jornais ou críticos que muitas vezes escrevem coisas que ele nunca disse.
Para terminar o historial sobre o Crioulo disse Veiga que em 2005 o governo Aprovou a Resolução 48/2005, de 14 de Novembro, um diploma sobre as «Linhas Estratégicas para a Afirmação e Valorização da Língua Cabo-verdiana» e que representa um passo decisivo no processo da oficialização plena ao determinar que o crioulo de Cabo Verde deve ser ensinado nas instituições superiores e públicas de ensino, como matéria; que na administração pública, na comunicação social e na criação artística o uso é livre; que nas aeronaves deve-se encorajar o uso do CCV.
Em 2008 comemorou-se, segundo o ministro da Cultura, os 10 anos do Alupec e este ano 2009 espera-se dar o passo definitivo da afirmação da língua cabo-verdiana na projectada revisão constitucional que volta de novo a ser discutida no Parlamento cabo-verdiano.
Termina alertando os deputados que se não chegarem acordo nesta matéria a história há-de os responsabilizar.
MANUEL VEIGA DEFENDE AULAS EM CRIOULO NAS ESCOLAS
O ministro da Cultura, Manuel Veiga, defendeu no Domingo, durante um debate com emigrantes na Holanda que no futuro pode-se perfeitamente ensinar matemáticas e outras disciplinas em crioulo, embora tenha deixado claro que, por enquanto, as aulas devem continuar a ser dadas na língua portuguesa. É que, para o ministro, o País ainda não tem condições para a massificarão do ensino do crioulo e que fazer isso agora seria catastrófico.
Argumenta, para defender esta sua posição, que o professor Salazar Ferro já o faz nos Estados Unidos. Ensina matemática usando o crioulo. Por isso o ensino do crioulo deve começar nas Universidades no topo para formar professores competentes que depois vão ensinar a língua cabo-verdiana de uma forma adequada aos alunos do ensino básico e secundário.
Esta posição do ministro fez levantar imediatamente outra questão por um dos presentes: afinal em Cabo Verde há nove crioulos diferentes e que por isso seria difícil adoptar apenas o crioulo de Santiago. Mas para o ministro há uma só língua cabo-verdiana, embora com várias variantes mas que isso não era impedimento para os cabo-verdianos se comunicarem entre si. Disse que a base do crioulo era comum e que por isso não será difícil escrever o ALUPEC. Disse que cada um escreve de acordo com a sua variante e pode ser que no futuro se chegue à padronização.
Ainda falou da oficialização da língua cabo-verdiana que, segundo defende, era para ser ontem. Que a língua devia ser oficializado desde 1975. Agora só espera que os deputados cheguem a um acordo nesta revisão constitucional.
MANUEL VEIGA ADMITE ACRESCENTAR LETRA “C” AO ALUPEC
Pela primeira vez, o ministro da Cultura, Manuel Veiga, admitiu, publicamente, a possibilidade de se acrescentar a letra C ao ALUPEC. Esta confissão aconteceu no debate realizado no encontro que teve, na Holanda, com os cabo-verdianos aí emigrados, depois de se lhe ter colocado questões relacionadas com a inexistência da letra C no ALUPEC.
Apesar de continuar a defender que o Alupec atribui a cada som um único grafema e vice-versa e que por isso se a letra C continuasse com a mesma função que tem no alfabeto português seria um problema e que a letra K resolve muitos problemas da língua crioula no tocante a escrita, admitiu que “nas próximas revisões do ALUPEC a letra C pode vir a entrar no Alfabeto Cabo-verdiano”, mas apenas para os símbolos internacionais que nós não podemos mudar. E exemplifica com Centímetros, Vitamina C, Centilitro, etc., ou Trezentos em numeração Romano(CCC).
No debate, outras perguntas incómodas foram colocadas pelos presentes ao ministro. Se a oficialização do crioulo não perigava o uso do português, por exemplo. Manuel Veiga respondeu que em Cabo Verde temos que ter uma situação de bilinguismo real: português e crioulo. Disse que não se pode oficializar o crioulo para em seguida proceder-se a desoficialização do português. Disse que as duas línguas têm que coexistir e que precisamos do português para comunicar com o exterior por exemplo.
LIBERAL.SAPO.CV-Por Norberto Silva
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