quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

DIÁSPORA:DESILUSÃO COM O SONHO EUROPEU


As ruas são cobertas de ouro e o dinheiro cresce nas árvores. Assim que você chegar lá começa a vida boa. Isto é a Europa, vista por olhos africanos.
Menos conhecida na África é a dura realidade da vida na Europa para um imigrante sem passaporte. É difícil mudar a imagem do sonho europeu, como descobriu o ugandense Ssuuna Golooba. Seus esforços para abrir os olhos dos africanos agora tem o apoio da Holanda.
Bem-vindo ao paraíso
”Feliz Ano Novo!”, grita uma holandesa embriagada para o jovem Ssuuna Golooba. Ela joga seus braços em torno dele e sussurra em seu ouvido: “Você é lindo!”. É dia 31 de dezembro de 2003 e a vida sorri para Golooba. Apenas um mês antes ele ainda estava vivendo em Uganda, sem nenhuma perspectiva de futuro. Mas conseguiu chegar até a Holanda sem um passaporte e se sente no paraíso. “Dentro de um ano vou ter vencido!”, dizia a quem quisesse ouvir.
Seis anos mais tarde, Golooba já sabe que as coisas não são tão simples. Sem documentos é difícil encontrar emprego. Ele descobriu que os holandeses acham estranho ter um homem como diarista, por isso divulga panfletos nas casas dizendo ‘mulher procura trabalho de limpeza’.
O sonho europeu acabou se transformando numa rotina de passar aspirador e limpar banheiros, todos os dias, por muito pouco dinheiro. E pra piorar veio a solidão, a discriminação e o constante medo das autoridades. Ele se tornou consciente de sua própria vulnerabilidade. Imigrantes ilegais são presas fáceis de pessoas que queiram explorá-los.
Mas em seu país, as expectativas ainda são grandes.
Fortuna
”Na minha cultura, como filho mais velho, sou responsável por meus pais. Eu sou o cabeça da família, então todos contam com o meu dinheiro. Primeiro eu tenho que tomar conta de mim mesmo, depois de minha esposa e filhos em Uganda, e depois meus primos, sobrinhos e sobrinhas. Mas no final, outras pessoas também vêm bater na porta da minha mãe. Porque todo mundo sabe que ela tem um filho na Europa. Então, por exemplo, se alguém morre, eles vêm pedir dinheiro a ela para o enterro.”
Golooba percebeu que muitos imigrantes escondem a verdade de suas famílias na África. Eles fazem fotos em frente à casa ou carro de outra pessoa e dizem que fizeram fortuna. Eles têm vergonha de contar a verdade, diz Golooba. Usaram dinheiro da família para viajar para a Europa, então os parentes esperam um retorno. “Você é louco se começar a reclamar.”
Mudança de atitude
Um incêndio ocorrido num centro de detenção em Amsterdão, em 2005, no qual onze imigrantes ilegais morreram, foi um ponto de virada para Golooba: “Poderia ter sido eu. Por que devo ficar quieto e ver outras pessoas virem para cá para sofrer como eu? Por quanto tempo isso ainda vai continuar? Minha mensagem é: não arrisque a sua vida, porque isso é uma grande aposta. Esteja consciente de que você pode encontrar uma ‘surpresa’ na Europa.”
Com um amigo holandês que é cineasta, Golooba decidiu fazer um documentário sobre sua experiência na Holanda, como um alerta aos africanos que pretendem fazer o mesmo caminho. A colaboração resultou no projeto ‘Surprising Europe”, que inclui um website documentando histórias de vários imigrantes, e uma série de televisão com o objetivo de mostrar ao público africano a realidade da vida de um imigrante ilegal na Europa.
O governo holandês está dando uma parte dos fundos para o projecto, o que deixa transparecer alguma influência política. Estariam Golooba e seu amigo, o cineasta Roger Kappers, se deixando explorar com sua mensagem de que africanos deveriam ficar onde estão? Kappers acha que não.
“Nós não somos uma extensão do governo holandês. Não dizemos às pessoas que devem ficar longe da Europa, mas para se informarem. Decida você mesmo, mas saiba o que o espera. Nós também contamos histórias de sucesso”, comenta o diretor.
Atracção
A questão é saber se o público africano está interessado em ouvir Golooba e Kappers. O imigrante nigeriano Emanuel estava tão cheio de esperança quanto Golooba quando chegou ilegalmente a Roterdã em 2004. O site ‘Surprising Europe’ poderia ter influenciado sua decisão de vir para a Europa?
”Mesmo que eu tivesse visto o site, acho que ainda assim viria”, diz Emanuel. “Pessoalmente, eu não escondo nada de minha família na Nigéria. Conto a verdade sobre minha vida aqui, que a jornada é perigosa e que a vida aqui é solitária e difícil. Mas mesmo assim, meus irmãos e primos ainda querem vir. A atração da Europa é forte. Muitas pessoas vão ver o site e não vão acreditar.”
A fé em um paraíso europeu continua inabalável e alertas entram por um ouvido e saem pelo outro – infelizmente para Golooba e sua missão. Mas no fim, ele lucrou com sua própria miséria e faz o papel principal em seu filme. Graças à Europa, ele afinal se tornou uma história de sucesso.
RNW-Por Martijn van Tol

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