Graça Andresen Guimarães é embaixadora de Portugal em Cabo Verde desde 2007. Considera que Cabo Verde, aos olhos da comunidade internacional, ganhou o estatuto de país "credível e útil" e que as pequenas e médias empresas portuguesas têm no país da Morabeza um mercado para aprofundar.
A embaixadora de Portugal em Cabo Verde lembra que Portugal tem reforçado as linhas de crédito concessional, atingindo já os 600 milhões de euros, e que o PIC 2008/11 tem um envelope financeiro de 70 milhões, sem contar com os 40 milhões de APD. Para a diplomata, a presença empresarial portuguesa em Cabo Verde é reflexo do excelente relacionamento e também do êxito das medidas tomadas pelo governo cabo-verdiano. O ambiente é favorável aos negócios, que se tornam cada vez mais atractivos para os agentes económicos portugueses. A construção civil, energias renováveis, tecnologias de informação e comunicação, bem como os transportes, constituem áreas de particular interesse. A promoção da Língua Portuguesa continua a ser prioridade e garante o apoio a todos os esforços para a criação da Escola Portuguesa. Falta a Morabeza cabo-verdiana, que a encanta.
A ajuda portuguesa a Cabo Verde soma, em termos de linha de crédito concessional, um valor em torno dos 600 milhões de euros. Como está a decorrer a "distribuição" das verbas?
Desde Novembro de 2007, Portugal tem vindo a reforçar o seu apoio ao amplo esforço do Governo cabo-verdiano na infra-estruturação do país, tendo, nessa altura, concedido linhas de crédito concessionais no montante global de 140 milhões de euros para projectos de infra-estruturas rodoviárias e portuárias.
Reconhecendo a importância da infra-estruturação no processo de desenvolvimento de Cabo Verde, por ocasião da visita do senhor Primeiro-Ministro (José Sócrates) em Março último, os governos de Portugal e Cabo Verde acordaram no alargamento das referidas linhas de crédito, elevando de 40 para 100 milhões de euros a linha destinada ao financiamento de infra-estruturas rodoviárias e de 100 para 200 milhões de euros a linha destinada ao financiamento de infra-estruturas portuárias e aeroportuárias. Projectos como a segunda fase do porto da Cidade da Praia, a expansão dos portos de Porto Novo, Furna, Sal-Rei e Vale de Cavaleiros, bem como a estrada Baía/Calhau e outras rodovias em diversas ilhas beneficiam destas linhas.
A visita marcou também a assinatura de um Memorando de Entendimento relativo à abertura de uma nova linha de crédito no montante de 100 milhões de euros, que tem por fim financiar projectos de Energias Renováveis, conservação do Ambiente e mobilização de água. Desde então, foi já concluído o acordo que torna esta linha operacional e disponível. Mais recentemente, os Governos de Portugal e Cabo Verde acordaram na abertura de uma nova linha de crédito no montante de 200 milhões de euros, vocacionada para o financiamento de projectos de investimento enquadrados no Programa Nacional de Habitação, aguardando-se para breve a assinatura do acordo que permitirá a utilização desta linha.
Como se justifica, em termos de política externa, um montante desta natureza, quando países como a Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe não têm acesso a este volume de apoio financeiro?
A disponibilização destas linhas de crédito concessionais a Cabo Verde, país que me compete abordar, resultam do estádio de desenvolvimento que o país alcançou.
Acrescento que a adopção de políticas adequadas e uma gestão responsável das Finanças Públicas têm permitido a Cabo Verde garantir a estabilidade macroeconómica, tornando possível ao país contrair empréstimos sem comprometer a sustentabilidade da sua dívida externa.
Em Março deste ano, o primeiro-ministro português, José Sócrates, visitou Cabo Verde. Têm-se registado progressos significativos nas relações bilaterais desde então?
A visita do Primeiro-Ministro marcou, sem dúvida, um ponto significativo da mudança do paradigma das relações, reconhecendo que atingiram, graças ao desenvolvimento de Cabo Verde, um patamar de parceria que supera, embora não a exclua, a tradicional relação de cooperação existente entre os dois países. As visitas oficiais potenciam e estimulam uma exploração mais intensa das possibilidades das relações entre países, ao mesmo tempo que são um sinal de reconhecimento do ponto elevado que atingiram. As relações bilaterais não se esgotam nas visitas, são-lhes prévias e continuam após aquelas com impulso renovado.
Como inter-relaciona a presença portuguesa em Cabo Verde, do ponto de vista da cooperação, cultura e empresas, e que importância tem para o próprio arquipélago?
As áreas de relacionamento entre os nossos dois países são riquíssimas na sua complexidade de interacções e significações. Têm evoluído, acompanhando os progressos registados em Cabo Verde e também em Portugal.
Cabo Verde, com a visão, determinação e coragem que se lhe reconhece, conquistou um estatuto que o torna, aos olhos da comunidade internacional, um país credível e útil, o que lhe permitiu ser hoje um País de Rendimento Médio (PRM), membro da OMC (Organização Mundial do Comércio) e estabelecer uma parceria especial com a União Europeia.
Também Portugal mudou, o país cresceu e transformou-se. Portugal tem hoje uma sociedade e uma economia modernas, é hoje mais forte na Europa e no Mundo. As relações de cooperação são profundas e intensas e abrangem praticamente todos os sectores da actividade do Estado. Traduzidas em números, recordo que está em curso o Programa Indicativo de Cooperação (PIC) para o quadriénio 2008-2011 com um envelope financeiro estimado em 70 milhões de euros, a que acrescem, por exemplo, as ajudas pontuais de emergência. Contudo, e só em 2008, a Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) de Cabo Verde ultrapassou os 40 milhões de euros.
Mas há ainda um aspecto importante da nossa cooperação - o intangível, fruto do património cultural, linguístico, histórico e humano comum que devo realçar e que não é quantificável. Do mesmo modo, a presença empresarial portuguesa em Cabo Verde é reflexo do excelente relacionamento e também, obviamente, do êxito das medidas que estão a ser tomadas pelo governo de Cabo Verde no sentido da criação de um ambiente favorável aos negócios e que se torna cada vez mais atractivo para os agentes económicos portugueses.
Considera haver condições para se abrir uma Escola Portuguesa em Cabo Verde?
A eventual abertura de uma Escola Portuguesa tem merecido da minha parte toda a atenção e o apoio que a Embaixada, no quadro daquela que pode ser a sua intervenção, atribui ao projecto. Além do impulso que a Embaixada procurou conferir à criação de uma organização da sociedade civil, essencial ao processo e a quem caberá gerir e administrar a escola, encetei diversas diligências de sensibilização e auscultação junto de autoridades portuguesas e cabo-verdianas com tutela nesta área. O trabalho já desenvolvido pelo grupo que abraçou o projecto e as reacções que obtive nos contactos efectuados indiciam haver condições para o mesmo possa avançar. Da nossa parte, continuaremos a acompanhá-lo e a prestar todo o apoio que for solicitado.
Alguns "opinion makers" entendem que Portugal e Brasil deveriam assumir a responsabilidade financeira da aprendizagem da Língua Portuguesa, nomeadamente através da criação de uma escola no âmbito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Não creio ser esse o caminho. Prefiro antes destacar três ideias. A primeira é o novo impulso conferido na CPLP à definição conjunta de estratégias e acções de promoção e divulgação da Língua Portuguesa, que terá na reestruturação do IILP (Instituto Internacional de Língua Portuguesa) a peça essencial.
A segunda são os avanços verificados no desenvolvimento de ferramentas nas áreas do ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa, da tradução e da interpretação e na implementação de instrumentos linguísticos a que os Estados-Membros atribuem grande importância, como por exemplo o Acordo Ortográfico.
A terceira é o incremento de projectos de cooperação no seio da CPLP na área da Língua, aos quais Portugal tem dado um contributo significativo, que visam apoiar e consolidar o empenho e o trabalho que tem sido desenvolvido pelos Estados-membros, em termos da Língua Portuguesa, no contexto dos seus sistemas educativos.
Como vê a actuação da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) em Cabo Verde?
Cumprindo as suas atribuições, a AICEP tem tido em Cabo Verde um desempenho activo, interessado e responsável. Assim, tem contribuído activamente para a definição e desenvolvimento da estratégia de internacionalização das empresas portuguesas, particularmente as pequenas e médias empresas (PME), com dimensão adequada a este mercado, alargando e reforçando o tecido empresarial em Cabo Verde.
Que áreas considera fulcrais para o desenvolvimento de Cabo Verde e para as quais gostaria de recomendar especial atenção às empresas portuguesas?
As prioridades de investimento do governo cabo-verdiano são as de dotar o país de infra-estruturas. Nesse sentido, a construção civil, as energias renováveis, as tecnologias de informação e comunicação, bem como os transportes, constituem áreas de particular interesse. As estratégias de penetração no mercado deverão privilegiar áreas de actividade onde Portugal tem vindo a adquirir especial experiência e onde ocupa já uma posição de líder no mercado, como o são, por exemplo, a indústria ligeira, o agro-negócio ou o turismo.
Considera que Cabo Verde pode ser o parceiro ideal para que Portugal possa aumentar a sua influência em África?
A vertente africana constitui um eixo fundamental da nossa Política Externa. Exemplo disso foi a realização, durante a Presidência portuguesa da União Europeia em 2000, da Primeira Cimeira UE/África, no Cairo, e durante a nossa Presidência em 2007, da segunda Cimeira em Lisboa, da qual resultou a Estratégia Conjunta UE/África e o mecanismo de monitorização da execução. Naturalmente que, de entre os países africanos, Portugal tem relações especiais, por razões de ordem histórica, afectiva, linguísticas e culturais, com os PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), entre os quais Cabo Verde.
Cabo Verde é um parceiro estratégico, tanto para Portugal como para a União Europeia, da qual fazemos parte. Também do ponto de vista económico, Cabo Verde constitui um mercado natural e interessante para as nossas PME, para a concretização da sua estratégia de internacionalização e também para a sua projecção noutros mercados, designadamente da África Ocidental.
Como vê a ligação e a interacção da comunidade portuguesa com a Embaixada?
A comunidade portuguesa em Cabo Verde tem na Embaixada a garantia do nosso empenho na defesa dos seus interesses. Consciente de que há sempre espaço para fazer mais e melhor, temos procurado estimular o estreitamento desta relação através da melhoria dos serviços que prestamos, nomeadamente daqueles que mais directamente lidam com a comunidade, como os serviços consulares. A título de exemplo do que acabo de referir, quero mencionar a criação do Conselho Consultivo da Área Consular, a construção em curso do portal da Embaixada, a criação de um endereço electrónico (comunidade.portuguesa.cv@gmail.com) através do qual temos prestado informações que consideramos úteis, como foi o caso dos processos eleitorais que tiveram lugar em Portugal no corrente ano ou do recente surto de dengue em Cabo Verde. O endereço é obviamente um canal de comunicação que funciona nos dois sentidos, podendo ser também utilizado pela comunidade para se dirigir à Embaixada.
Qual o momento, ou momentos, mais significativos para a Embaixada de Portugal desde que assumiu o posto na Cidade da Praia?
Dado o excelente e intenso relacionamento entre Portugal e Cabo Verde, felizmente muitos têm sido esses momentos mas, para não me alongar na resposta, destacaria cronologicamente a aprovação, em Novembro de 2007, da Parceria Especial entre a União Europeia e Cabo Verde - fruto do reconhecimento pelos 27 Estados da União Europeia da existência de interesses mútuos que reclamavam um enquadramento específico assente no aprofundamento do diálogo político e na identificação de áreas de cooperação prioritárias. Do mesmo modo, a visita do Senhor Primeiro-Ministro foi outro dos momentos mais significativos, dado que a visita proporcionou o aprofundamento da relação única e estratégica existente entre os dois países, elevando as relações a um novo patamar de cooperação, que terá maior expressão em sectores inovadores como as Novas Tecnologias e as Energias Renováveis. Num plano mais pessoal, gostaria, igualmente, de sublinhar a honrosa distinção que me foi concedida de Cidadã Honorária da Cidade Velha.
Que legado gostaria de deixar quando deixar Cabo Verde?
Ainda que consciente que um dia essa hora chegará, confesso que me custa pensar sobre esse momento. Não lhe chamando legado, gostaria de pensar que, quando partir, deixo frutos de um trabalho diário e empenhado em prol do estreitamento dos laços de amizade e cooperação entre os nossos dois países.
Comigo levarei, certamente, a memória da Morabeza com que aqui fui acolhida, as saudades dos amigos que aqui deixarei e, sobretudo, a grande admiração pelo país, suas gentes e cultura, que tem sabido percorrer um caminho a todos os títulos notável.
LUSA/OJE-Por José Sousa Dias
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