segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

ENTREVISTA COM O MINISTRO DA CULTURA DE CABO VERDE MANUEL VEIGA-SEGUNDA PARTE


PROMESSAS
RA:O senhor prometeu para 2009 dotar o país de mais infra-estrutura na área cultural. Entre os projetos, destacam-se a criação do Museu Nacional, com sede provavelmente na Cidade Velha (Ilha de Santiago), do Museu de Arte Contemporânea, na Praia (Santiago), e do Grande Auditório e Galeria de Arte, em São Vicente.
O Ministério que dirige tem conseguido cumprir todos os projectos por si anunciados?
MV:Aí é que, às vezes, a Comunicação Social cobra, mas talvez porque a mensagem não passou da melhor maneira.
Em Cabo Verde, na política cultural, uma das coisas que precisamos, já falei da formação, já falei da organização. A outra coisa que nós precisamos é da infraestruturação cultural. Não se percebe que na Capital não tenhamos um espaço onde podemos acolher espetáculos para 3 mil ou 5 mil pessoas.Nós temos apenas salas de 600 pessoas, 2 salas para 600 pessoas.Precisamos de infraestruturas culturais em todas as ilhas. Naturalmente, o que eu disse é que o Ministério da Cultura iria fazer tudo por tudo para ver se conseguia encontrar financiamento para o Museu Nacional, para um auditório-galeria em S.Vicente, porque S.Vicente é m polo importante de cultura; mas também as outras ilhas precisam; há sítios onde a necessidade é maior. Há necessidade também de um Museu da Arte Contemporânea, porque nós precisamos preservar, conservar o nosso património artístico ... eu disse que ia fazer tudo por tudo para procura o financiamento. Naturalmente, que não podemos fazer tudo isso com o Orçamento do Ministério da Cultura.Temos que encontrar parcerias.Se digo que vou buscar parcerias, quero dizer que ainda não tenho; e posso encontrar hoje, posso encontrar amanhã, posso encontrar daqui a 6 meses; quer dizer: é uma preocupação, não é um compromisso, não é uma proposta de que eu vou fazer. Eu li algures que o Ministro prometeu e que isso ainda não aconteceu...
O mesmo aconteceu acho que é no Expresso das Ilhas , quando entrevistaram o Corsino Tolentino e disseram : “o Ministro da Cultura tomou posse em 2004, prometeu que em 2005 havia de oficializar o crioulo e já passou todo esse tempo e ainda nada. Que comentários faz?”
Ora, o Ministro da Cultura, só se fosse doido é que prometia que iria oficializar a língua caboverdiana, quando se sabe que nem o PAICV, nem o MPD podem, sozinhos, fazê-lo com a actual composição parlamentar. E se assim é, como é que um simples ministro pode?
RA:Então sente-se perseguido por uma certa imprensa em Cabo Verde que o ataca sem motivos?
MV:Não diria perseguido, diria incompreendido... Eu não sei se fazem isso por mal ou por estarem mal informados. Há responsabilidades que atribuem ao Ministro da Cultura e que o mesmo não tem nada a ver.E esse ministro se está como ministro, é porque foi convidado a estar lá, mas pode sair amanhã. E se isso vier a acontecer, saio com cara levantada e vou continuar em outras frentes, sem problemas, sem rancor , quer dizer, eu não estou a fazer do Governo uma profissão.Eu sei que estou lá de passagem, de tal maneira que posso sair amanhã, meu caro; sairia tranquilo, mas não satisfeito, porque eu gostaria de fazer muito mais. E se não fiz tudo o que queria é porque todas as condições não estavam reunidas.
“A l’impossible rien ne se tient”, dizem os franceses; o impossível não posso fazer.Ninguém me pode pedir para voar até a Lua porque eu não posso fazer isso.
RA:O discurso do actual governo é de que a cultura é uma das nossas maiores riquezas.
No próximo Orçamento de Estado qual a fatia que o Governo concede para um ministério tão importante como é o da Cultura?
MV:O orçamento da cultura ronda os 240 mil contos.
RA:Dois por cento do Orçamento do Estado talvez...
MV:Não não chega a isso.Não chega nem a um por cento.
RA:E acha muito pouco...
MV:Eu acho muito pouco, para a importância que a cultura tem. Ela precisa de mais meios efectivamente; agora, é preciso perguntar se o país pode dar mais ou não pode? Se o País pode dar mais numa situação em que temos gente sem casa para habitar... Há o programa casas para todos. Vivemos num país onde o desemprego ronda os 18%; na classe juvenil é mais do que isso; num país one acontecem calamidades naturais, veja o caso de São Nicolau. Num país com todos esses problemas, devemos perguntar se o Estado pode dar mais à Cultura.
Eu acho que o Estado já está a fazer um esforço considerável. É preciso pedir a cidadania também.Aqueles que consomem e que podem financiar a cultura têm que participar mais...
O Turismo, por exemplo, quer uma cultura de qualidade, porque os turistas quando vêm a Cabo Verde, não vêm procurar apenas o nosso sol e a nossas praias, vêm procurar a nossa especificidade, a nossa cultura; portanto, o turismo precisa da cultura. Então que haja uma percentagem do turismo para a execução dos projectos ligados à cultura e que podem beneficiar o turismo.
Também a administração publica e privada deve contribuir para o aumento do mercado da arte. Eu, no meu gabinete, tenho quadros de Cabo Verde, Cerâmica de Cabo Verde, tecelagem de Cabo Verde... Se todos fizerem o mesmo, o artista terá mercado maior, terá o retorno financeiro, o que vai permitir que ele invista mais, fazendo coisas com mais qualidade; e, dese modo, a cultura vai-se desenvolvendo.
Eu costumo dizer que em Cabo Verde precisamos de um novo pensamento cultural que não se compadece em ficarmos sempre à espera do Governo e do Estado.
Quando, por exemplo, um artista pede um apoio ao Ministério da Cultura e o ministério não tem, ele diz que não existe uma política cultural, como se a política cultural fosse apenas ter dinheiro para distribuir.Nós temos que ter um pensamento segundo o qul o Governo tem responsabilidades e tem que assumí-las, mas a cidadania, sobretudo a cidadania que tem dinheiro, tem responsabilidades também. Os artistas e criadores, por seu lado, têm a responsabilidade traduzida no talento, na procura de formação e de organização. Neste sentido, a política cultural é da Nação e não apenas do Ministério da Cultura.
Ora, se a política cultural se resume em ter visão, estratégia, planos e programas de acção, isso nós temos no ministério; agora, vamos fazer de acordo com os condicionalismos, com o financiamento, com as condições que temos.
É preciso que a outra parte também assuma. Se as pessoas continuarem a pensar que o financiamento da cultura é da responsabilidade apenas do Ministério da Cultura ou do Governo, nós não vamos a lado nenhum; não alcançaremos o patamar desejado.
TURISMO E  MINISTÉRIO DA CULTURA
RA: O senhor disse há tempos atrás e que citamos: ”o turista que vem a Cabo Verde não vem só a procura das praias e dos mares do arquipélago, tanto mais que esses atractivos naturais, segundo disse, poderão ser encontrados em outras regiões.
“O turista vem buscar a nossa singularidade e a nossa singularidade passa, fundamentalmente, pela cultura”.
Quais as iniciativas do seu Ministério no sentido de ter pacotes culturais interessantes para o turismo?
MV:O Ministério da Cultura não deve fazer pacotes culturais.Quem faz os pacotes culturais são os criadores, são os artistas, através dos seus representantes. O Ministério da Cultura incentiva e cria as condições.Cria por exemplo a legislação, dá o reconhecimento, mas o resto não é o Ministério da Cultura é que faz. De outro modo seria entrar, digamos, no domínio daquilo que estritamente da geografia dos criadores...é como se o Ministério da Economia tivesse entrado dentro de uma empresa para fazer pacotes sobre o que a empresa faz ou deixa de fazer... ; não, ele cria incentivos, cria legislação e procura, portanto, reunir algumas condições para que a coisa se faça. O resto tem de ser da própria cidadania. Entretanto, eu acredito que com a criação da Agência de Promoção Cultural..., mas essa Agência não vai fazer pacotes, ela vai estimular, incentivar o privado a fazer pacotes para o turismo, por exemplo.
RA:Já está legislada a criação dessa agência?
MV:Não, mas já está na proposta de Lei Orgânica do Ministério da Cultura...
RA:Senhor Ministro, pelas suas palavras ditas anteriormente, as empresas em Cabo Verde não praticam o mecenato cultural e não apoiam suficientemente os artistas.Está correcta a minha leitura?
MV:Não, já há algumas empresas que fazem ... mas podia haver muito mais.Repare, os artistas, às vezes, não têm essa consciência e temos que fazer um trabalho sobre isso.Quando uma empresa por exemplo apoia um artista, é o Governo também que está a apoiar.Porque uma empresa quando apoia, vai descontar no Fisco, e esse desconto é dinheiro que não entra no Tesouro.Indirectamente, o Governo está a dar também. Mas é verdade que o mecenato dá e, muitas vezes, recupera muito mais tarde, por exemplo.
Mas temos que reconhecer que há empresas que dão muito apoio dentro das suas possibilidades, até porque não podem ultrapassar determinados parâmetros. A Direcção Geral das Contribuições e Impostos é que fixa os parâmetros.Uma empresa por exemplo que tem pouco rendimento não pode dar muito à cultura, tem que haver uma percentagem mínima para esse fim.
ACORDO ORTOGRÁFICO
RA:Governo anunciou, no início do ano, a entrada em vigor do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa no segundo semestre de 2009.Pode avançar-nos uma data precisa para a entrada em vigor do acordo ortográfico? E a implementação do Acordo Ortográfico será tão rápida quanto já foi revelado?
MV:O plano que nós tínhamos para a entrada em execução do acordo ortográfico era o mês de Maio de 2009. Depois, nós entendemos que devíamos socializar mais o debate ... Além disso, o acordo ortográfico teria muito mais impacto se entrasse em vigor em todo o espaço da CPLP.Portanto, verificámos que, em Maio, apenas o Brasil tinha aprovado(desde Janeiro e 2009) a entrada em execução do acordo que já tinha sido aprovado. Então entendemos deixar passar algum tempo para ver se os outros países, nomeadamente Portugal, reuniriam as condições para a entrada em execução.Voltámos a fixar uma outra data e dissemos que o nosso último prazo seria o mês de Outubro de 2009. Tudo isto para dizer que neste momento a proposta já está na Presidência do Conselho de Ministros e eu acredito que, possivelmente, será aprovado no Conselho de Ministros (NB: o mesmo viria a ser aprovado, após a entrevista dada, em 29 de Outubro de 2009).
RA:” O Acordo Ortográfico é um acto colonial do Brasil sobre Portugal com regras que não são recíprocas,” afirmou à Lusa o escritor e jornalista português Miguel Sousa Tavares.
Quer comentar?
MV:Esse escritor precisa de se informar melhor e de saber que havendo uma língua comum para todo o espaço da CPLP, tem que haver um acordo de harmonização, tem que haver cedências de parte a parte.Portanto, não há colonização de ninguém.O acordo ortográfico é quase que uma exigência do futuro da língua portuguesa.Se nós queremos valorizar a língua portuguesa, nós temos que fazer essa cedência.Portugal tem que fazer algumas cedências, o Brasil tem que fazer algumas cedências.Parece que a cedência de Portugal é maior por causa da queda das consoantes mudas...digamos que a língua brasileira andou mais depressa que a língua portuguesa...
RA:E tem mais falantes..
MV:Sim, tem mais falantes. Mas veja que indepentemente disso, o Brasil não utiliza as consoantes mudas e hoje nós sabemos que as consoantes mudas são mudas de facto.Para quê estamos a utilizá-las se são mudas? ... No Brasil, cairam há muito tempo.E como isso está consagrado no acordo ortográfico, e como Portugal não chegou a fazer a supressão no momento em que o Brasil fez, então parece que há muita mudança ... Porquê que tenho que escrever Egipto com P? Porquê que tenho que escrever director com C, se essa consoante é muda?Pporquê que há letras fantasmas numa escrita? Eu respeito, mas não posso concordar com o que diz esse escritor.
Eu, quando estive em França a estudar, fui visitar o Departamento de português para saber se podia escolher alguma unidade de conta para completar o meu curso.Quando cheguei lá, era o brasileiro que se estudava e os estrangeiros têm mais facilidade com o brasileiro precisamente porque o brasileiro pronuncia melhor as palavras (sobretudo as vogais) e não tem consoantes mudas. Ora, quando um estrangeiro tem que pensar que Egipto tem P?.. Ele diz Egito e o P não está lá, e tem que meter o P que ele não pronuncia... ou então C na palavra Director... Ora se nós queremos a internacionalização da língua portuguesa, se nós queremos que nas instâncias internacionais o português seja língua de trabalho , se nós queremos que cada vez mais se aprenda o português, a escrita da língua comum tem que ser uma escrita racionalizada, económica e unificada. Também não deve ser uma mudança que tira a especificidade da língua.O linguista brasileiro Celso Cunha e o português Linley Cintra diziam que todo esse acordo tinha que ir até a um nível da superior unidade da língua, quer dizer não pode ser uma mudança que leva o português a perder a sua identidade. Tem que ser dentro da razoabilidade ... Eu estive no processo do Acordo desde 1986. Estive no Rio de Janeiro a representar Cabo Verde no primeiro encontro.Já estive várias vezes em Portugal. Mas já no Rio de Janeiro eu disse que o acordo era um acordo acanhado. Se tivesse que fazer uma proposta, seria muito mais abrangente.Mas, simplesmente, nessas coisas, temos que levar em linha de conta a cultura ortográfica dos utentes. A mudança não pode ser radical de mais. Haverá outros acordos ortográficos ... Eu só lhe digo que em 1911, quando houve o primeiro acordo (unilateral) da língua portuguesa, houve um ilustre opositor.que dizia: mas como é que nós vamos escrever «Abysmo» com I?.Na altura escrevia-se Abismo com Y. Ele dizia que escrever «Abysmo» com I é tirar todo o mistério à palavra. Isso era o argumento na altura (sem fundamento aplausível).
Curisamente, hoje, escrever «Abismo» com Y parece tirar toda a identidade da palavra.
Isso para dizer que a escrita é uma convenção. Eu acredito que o nosso acordo já reuniu um vasto consenso. A entrada em execução não significa pôr em prática imediata e obrigatoriamente.No Brasil há uma fase experimental, acho que de 4 anos.Nós, no nosso diploma, que já está na Presidência do Conselho de Ministros, é de 6 anos.Dá-se essa tolerância para as pessoas se adaptarem.. sobretudo o sistema do ensino, os jornalistas, a imprensas ...
RA:Em Cabo Verde, pelo menos que eu saiba, não tem havido grande celeuma no tocante ao acordo ortográfico...
MV: (risos)Em Cabo Verde não tem havido grandes problemas.. Em Cabo Verde discute-se agora a oficialização da língua cabo-verdiana (risos) que é uma matéria quente que mexe com muita gente.

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