OFICIALIZAÇÃO DO CRIOULO
RA:Desde 2005 que se fala que o crioulo vai passar a ser língua oficial em Cabo Verde em. Passaram-se quatro anos e ainda tudo está em banho maria.
O porque desse atraso?
MV:A proposta mais consistente para o reconhecimento do crioulo caboverdiano como língua oficial data da revisão constitucional de 1999, sob a proposta do PAICV. De então para cá, o Grupo Parlamentar do MPD vem invocando que as condições ainda não estão reunidas. Quando se pergunta quais são essas condições ninguém sabe responder. Paradoxalmente, alguns invocam a dificuldade que se tem em publicar o Boletim Oficial e as leis da República em crioulo. Ora, a forma de combater essas dificuldades é com o ensino. Mas a oficialização do crioulo que reconhece e legitima esse ensino é negada pelos parlamentares do MPD.
É caso para se perguntar até quando vai-se continuar, por razões de estratégia política, a invocar o escudo da «falta de condições».
RA:Na diáspora critica-se muito o ALUPEC talvez quiçá por falta de informação. O governo tem sempre um discurso de que somos a décima segunda ilha mas as informações que chegam a 12 segunda ilha são escassas.O que pensa o seu ministério fazer para que esse assunto de oficialização do crioulo seja mais socializada na diáspora cabo-verdiana?
MV:A informação dá-se e procura-se. Tem havido sessões de informação nos EUA, em algumas cidades da Europa onde vive a nossa diáspora, mas acredito que é preciso haver mais informação. O Ministério da Cultura, na parte que lhe toca, vai estar mais atento e mais disponível. A diáspora também tem que colaborar. Há que solicitar os préstimos do Ministério da Cultura, há que colaborar na organização das sessões de informação, há que estar disponível para tomar parte nessas sessões, há que procurar informações em todas as fontes disponíveis, através da net, dos livros, da comunicação social e de outros suportes de informação.
RA:É comum ler-se em fóruns de discussão que o ALUPEC é uma espécie de imposição da língua de Santiago aos habitantes das restantes ilhas.
Aos defensores desta tese qual a sua resposta?
MV: O ALUPEC é um modelo de alfabeto. É um instrumento para a escrita da nossa língua em todas as suas variantes. Não é língua, é uma ferramenta para a representação da língua escrita. Há exemplos do uso do ALUPEC na variante da Boavista, S.Vicente, Santo Antão, Fogo, Brava, Santiago, etc, etc. Aos incrédulos, recomendo a leitura do romance Perkurse de Sul d’Ilha, de Eutrópio Lima da Cruz ou então as Aventuras de Tintin, em curso de tradução, por Guy Ramos.
RA:A Universidade de Cabo Verde ora criada não seria a Instituição certa para continuar a investigação da língua e definir o timing certo para o ensino do crioulo nas escolas cabo-verdianas?
MV: A Universidade de Cabo Verde é uma parceira para o estudo da língua caboverdiana. O timing para a massificação do ensino deve ser determinado pelo Ministério da Educação. Pensamos que o Ministério da Educação deve começar a equacionar o problema, definir as metas e as etapas a curto, médio e longo prazos, programar e realizar em cada etapa as acções possíveis. Nunca deixar de dar o passo possível que se deve dar hoje para amanhã.
RA- Os dois maiores partidos chegaram acordo no tocante a revisão constitucional, mas o acordo deixou de fora oficialização do crioulo.
Tendo em conta que é um dos grandes defensores da língua cabo-verdiana vai demitir-se?
MV: O crioulo caboverdiano é língua da Nação desde que essa Nação começou a existir. Alguns historiadores fixam o nascimento da Nação no século XVII. Com a Independência Nacional, em 1975, Cabo Verde conquistou a dignidade política, social e cultural. Essa dignidade é extensiva ao crioulo caboverdiano que é a língua do nosso quotidiano, das nossas tradições, do nosso imaginário, da nossa cultura. Língua oficial é muito mais do que língua da administração. Ela deve ser língua da Nação. É por isso que a actual Constituição da República, no seu artigo 9º.3, diz que « Todos os cidadãos cabo-verdianos têm o dever de conhecer as línguas oficiais e o direito de usá-las». O estatuto de língua da Nação a Constituição não pode dar, só pode reconhecer. O facto do MPD não reconhecer ao crioulo o estatuto de língua oficial não faz com que o crioulo deixe de ser língua da Nação e, por conseguinte, língua oficial. Não deixa de ser um paradoxo quando o MPD recusa o estatuto de oficialidade ao crioulo e entretanto o seu líder parlamentar utiliza esta mesma língua para fazer o encerramento do debate sobre a aprovação do Orçamento para 2010, quando alguns dos seus deputados utilizam no Parlamento quase que exclusivamente o crioulo, quando a língua que utiliza nas campanhas eleitorais é sobretudo o crioulo, quando na respectiva família e, muitas vezes, no trabalho, a língua que reina é o crioulo.
Por tudo isto, eu não me sinto derrotado, até porque o crioulo é língua da Nação e não apenas de Manuel Veiga. Por isso, quem deveria demitir-se é quem formalmente nega ao crioulo o estatuto de língua da Nação e, na prática, dá o dito por não dito.
RA:Muitos pensam que o senhor como acadêmico devia estar na Universidade e não na Política. Qual a sua resposta aos que pensam dessa forma?
MV: Penso que como académico eu tenho condições para me realizar. Se chegar a receber o convite para ir para uma universidade, eu analisarei, na altura, as condições de trabalho, tanto no ensino como na investigação. Até lá, estou na política, mas não nasci para fazer da política uma profissão. É apenas uma experiência e estou certo que não será longa.
RA:Esteve recentemente na Holanda para dar posse aos membros da casa da Cultura anunciada há um ano pelo MNE José Brito.Qual a importância da casa no sentido de ser um elo de ligação de Cabo Verde com a sua Diáspora?
MV: Como disse, e bem, a Casa da Cultura da Holanda vai ser uma ponte de ligação com Cabo Verde. É uma iniciativa muito louvável. A diáspora já não se preocupa apenas com os TACV, com a Alfândega, com fazer economia para a construção da sua casinha, mas já tem preocupação em formar os filhos nas melhores universidades, em investir no conhecimento para ser mais útil tanto a Cabo Verde como ao país de acolhimento. É no âmbito desta nova filosofia que surgiu a Casa de Cultura da Holanda. Ela será um instrumento para o conhecimento e difusão da nossa cultura, um espaço de encontro, de debate e de sementeira de uma visão moderna do desenvolvimento para Cabo Verde e para o respectivo país de acolhimento. O exemplo da Holanda deveria acontecer em outros espaços da nossa diáspora.
RA:Estão previstas ainda este ano mais “Casas” em outras paragens?
MV: Esta pergunta só a diáspora pode responder. Cabo Verde apenas pode facilitar e estará, na medida do possível, a cumprir o seu papel.
RA:Cultura e Emigração é o tema de um fórum que o Ministério da Cultura devia realizar já no mês de Novembro na Praia. O anúncio foi feito à Rádio de Cabo Verde pelo senhor. O porque desse adiamento e qual o objectivo desse Fórum?
MV: Em termos de participação da diáspora, sobretudo no tocante à apresentação de comunicações, tivemos algumas dificuldades. Depois, o problema da epidemia da dengue veio agravar a situação. Tínhamos que fazer o encontro com o mínimo de representatividade e as condições não estavam reunidas. Por isso, a Comissão preparatória entendeu que se deveria adiar.
RÁDIO ATLÂNTICO-POR NORBERTO SILVA
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