terça-feira, 20 de outubro de 2009

EXPRESSO DAS ILHAS ENTREVISTA O PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DA PRAIA(1.ª PARTE)


Edil da Praia fala do orçamento, sua aplicação e de outros assuntos (1.ª parte)

É a segunda grande entrevista do edil da Praia. Nela, dissertamos sobre vários assuntos, desde o orçamento e plano de actividades para 2010, perspectivas de desenvolvimento do município, a polémica questão dos terrenos, a reestruturação da equipa da Câmara Municipal, enfim, vários assuntos que podem ser conferidos, ao pormenor, nas páginas que se seguem. Algumas garantias são dadas neste exclusivo: jamais serão doados terrenos municipais em troca de favores. Aos jovens, sobretudo, a edilidade está a desenvolver uma política de habitação que pode ajudar a suprir os problemas de casa própria. Lendo esta entrevista, ficar-se-á com uma sensação clara das acções que serão realizadas no quadro do novo orçamento municipal e respectivo plano de actividades.
Expresso das Ilhas - Sr. Presidente: a Assembleia Municipal acaba de aprovar o orçamento da autarquia para 2010. É um orçamento possível ou é um orçamento necessário?
Ulisses Correia e Silva - As duas coisas. É possível porque obviamente temos limitações de recursos, ou seja, não temos o orçamento que a Praia precisa. É necessário porque os programas que prevemos implementar são prioritários, embora necessitemos de um volume de investimentos muito maior para acelerar a resolução de questões básicas, melhorar a qualidade ambiental geral e tornar a cidade atractiva para viver e investir.
Só para precisar: qual o montante do orçamento para 2010?
O orçamento do município da Praia para 2010 é de 2,8 milhões de contos, sendo 1,6 para investimentos e 1,2 para despesas correntes. Estes números de um orçamento possível, demonstram uma coisa: a capital do país, que gera cerca de 50% do PIB nacional, tem um orçamento com um peso de apenas 1,8% no PIB. O orçamento do município da Praia, quando comparado com o orçamento do Estado, tem um peso de apenas 4,5%. Algo está errado neste quadro.
Está a reivindicar mais recursos?
É mais do que reivindicar. É um problema de fundo que tem a ver com a distorção do financiamento da economia e do desenvolvimento de Cabo Verde. Mantendo constante o PIB e o valor do orçamento do Estado, não tenho dúvidas de que o país seria muito mais eficiente na utilização dos recursos e nas respostas aos problemas do desenvolvimento com o aprofundamento da descentralização e com uma melhor repartição dos recursos que resultam dos impostos que todos pagamos, dos donativos concedidos ao Estado de Cabo Verde e da dívida externa que nós todos, cidadãos, iremos pagar. Ou seja, com a mesma limitação de recursos, produziríamos mais e melhor. É o aumento da produtividade que falta em Cabo Verde, em todos os sectores.
Calculo que a crise internacional terá tido algum reflexo negativo no orçamento da Câmara Municipal.
Não só a crise internacional mas também a crise interna. Um país com uma taxa de desemprego jovem de 42% é um país em crise, por mais que se tente explicar que o desemprego é estrutural. E estar desempregado em Cabo Verde tem uma forte correlação com a pobreza porque não há sistemas de segurança social como os fundos de desemprego que existem noutras paragens. Estas situações quando se agravam, aumentam as pressões sobre os municípios quer do ponto de vista ambiental, quer social e económico. Do lado das receitas, obviamente que a quebra de actividade económica, notada particularmente ao nível da construção e das transacções imobiliárias, tem impacto sobre as taxas e os impostos que o município cobra. Não podemos ignorar que Cabo Verde quebrou o seu crescimento para 5% e que a Praia não está fora de Cabo Verde.
O PAICV votou contra o orçamento com o argumento de que vai aumentar o endividamento do município. Qual é a situação do endividamento do município?
A auditoria realizada pela Price Waterhouse apurou, com referência a 30 de Junho de 2008, um montante de dívida de 926 mil contos que inclui 436 mil contos à banca e 320 mil contos ao Estado. Os restantes são dívidas a fornecedores. No entanto, apurou-se também que as dívidas de terceiros perante a Câmara representavam 935 mil contos, dívidas essas de venda de terrenos, impostos e emolumentos que as pessoas e empresas não pagavam à Câmara e receitas a receber do Estado.
Então, a situação era equilibrada...
Não era equilibrada porque não se pagavam as dívidas à banca, com gravosas implicações ao nível dos juros de mora e não se cobravam as dívidas de terceiros para com a Câmara. Só com o BCA, até 30 de Junho de 2008, os juros de mora somavam 105 mil contos.
O orçamento que apresentou para 2010 tem um endividamento de 900 mil contos. Não piora a situação encontrada?
Não. Vamos emitir, através da Bolsa de Valores, 600 mil contos de obrigações municipais. Duzentos e cinquenta mil contos vão ser utilizados para reestruturar a dívida junto do BCA e da Caixa Económica. Vamos liquidar cerca de 90% da dívida existente desses bancos, incluindo cerca de 105 mil contos de juros de mora e taxas da dívida do BCA que serão perdoados com realização dessa operação.
O ganho aqui é que o serviço da dívida a pagar pela Câmara, resultante da emissão das obrigações, será muito inferior ao das dívidas junto da banca. A taxa de juro das obrigações vai ser de 6,5% para ser pago em 20 anos, com prestações semestrais (para os 600 mil contos) em média de 32.000 contos para os primeiros 5 anos, valor que vai progressivamente reduzindo até ao fim da vida do empréstimo.
E o restante montante?
Dos 600 mil contos de obrigações, 350 mil irão ser aplicados na construção e equipamento do novo mercado central da Praia. Um mercado moderno, concebido para responder às exigências actuais e para as necessidades dos próximos 25 anos. Os restantes 300 mil contos do total de 900 mil, vão ser aplicados para o financiamento de projectos de requalificação urbana que constam do orçamento.
Quais vão ser as principais valências do novo mercado?
Vai ser um mercado construído numa área de 10.000 metros quadrados, para albergar 2.500 vendedores, com boas condições de funcionalidade, sanitárias e de apresentação e com espaços para a venda de vestuário e calçado, artesanato, restaurantes populares, tabacaria, produção e exposição artística e produtos alimentares (hortícolas, frutas, peixaria, talhos, pastelaria). Terá uma gestão própria profissional ao nível técnico, administrativo e financeiro.
Portanto acha que é sustentável o endividamento que a Câmara irá recorrer no próximo ano?
É sustentável. Por quatro razões: primeiro, porque ao contrário do que acontecia antes, estamos a recuperar os valores das dívidas de terceiros para com a Câmara, o que cria mais disponibilidades; segundo, porque vamos emitir dívida em boas condições de taxa de juro e de prazos através de obrigações e do recurso à linha de crédito da Agência Francesa de Desenvolvimento; terceiro, porque o serviço da dívida dos 900 mil contos fica aquém do limite máximo estabelecido pela lei das finanças locais; quarto, porque vamos aplicar os empréstimos em projectos prioritários para a cidade da Praia.
O PAICV diz que recorrer à dívida não é boa solução...
O problema não é em absoluto a dívida. O problema é se se trata de boa ou má dívida. Já expliquei que vamos recorrer à boa dívida: para aplicar em projectos prioritários, com boas taxas de juro, bons prazos de pagamentos, com serviço de dívida dentro da capacidade da Câmara honrar os seus compromissos e abaixo do limite estabelecido por lei. Para além disso invocar esse problema da forma como o PAICV vem colocando demonstra uma total ignorância sobre o que acontece ao nível do Estado, ou má fé.
O orçamento de investimentos do Estado, usando os dados para 2010, é financiado em cerca de 72% por empréstimos externos e internos. O resto, são basicamente donativos. Nós só estamos a financiar 40% do orçamento de investimentos com empréstimos (excluindo obviamente o montante destinado à reestruturação da dívida).
Então não havia razão para o PAICV votar contra o orçamento...
O PAICV está noutra. Na assembleia municipal defende em primeiro lugar o seu interesse partidário.
EXPRESSODASILHAS.SAPO.CV

Sem comentários:

Enviar um comentário

Comentar com elegância e com respeito para o próximo.