Um em cada três ilegais na Holanda já foi recusado por um clínico geral ou hospital. E mais da metade não procura os serviços de saúde quando precisa. Foi o que apontou uma conversa com 110 pessoas que vivem no país sem documentos de permanência.
A Holanda tem entre 75 e 185 mil pessoas sem documentos de permanência. A grande maioria vem de outros continentes. Desde 1997, ilegais não podem fazer seguro de saúde na Holanda, mas quando precisam de atendimento médico têm que procurar os serviços públicos, e para isso precisam apresentar um seguro.
Margreet Kroesen, coordenadora da organização Médicos do Mundo em Amsterdã, é mediadora entre ilegais e funcionários dos serviços de saúde.
“O acesso ao atendimento médico é muito difícil para ilegais na Holanda. Há, relativamente, um número muito alto de recusas no país, não tanto por clínicos gerais, mas principalmente nos hospitais, porque aí trata-se de contas mais altas. Muitas vezes os ilegais têm que pagar na recepção do hospital antes de serem atendidos. E eles não têm o dinheiro porque não podem trabalhar, então voltam pra casa sem atendimento.”
Desde o início de 2009 existe um fundo especial do governo para atendimento médico a ilegais. Vários hospitais holandeses podem pedir restituição a este fundo pelos gastos com tratamento de ilegais. Aparentemente, um serviço bem planeado.
Primeiros socorros
Mesmo os hospitais que não têm acesso ao fundo atendem em situações de urgência. O hospital Sint Lucas Andreas, em Amsterdão, é um exemplo. Fee Willemborg é chefe do serviço de primeiros socorros:
”Primeiros socorros e grávidas nós sempre atendemos, isso é obrigatório na Holanda. Casos que não sejam de emergência nós enviamos a hospitais que possam declarar os custos ao fundo. Pedimos às pessoas, nos casos de atendimento de emergência, que paguem uma taxa de 250 euros, mas com ou sem dinheiro, elas são atendidas.”
Aparentemente, as coisas estão bem planeadas, mas na prática a situação é outra, conta Rianne Ederveen, que trabalha em um centro de apoio a ilegais. Ilegais às vezes são tratados de maneira brutal, até mesmo em casos de primeiros socorros, onde existe a obrigação de atendimento:
“Recentemente uma criança ilegal chegou a um hospital com uma perna quebrada para primeiros socorros. O funcionário exigiu que o serviço fosse pago antes, senão ela não seria atendida, e manteve sua posição até o fim, dizendo que mandaria a criança para casa de perna quebrada. Até que uma pessoa que havia sido testemunha do acidente ofereceu o pagamento. Só então a menina foi atendida.”
Outro grande problema é que ilegais quase não procuram serviços médicos. Por vergonha ou por medo de serem expulsos do país, diz Margreet Kroesen, do Médicos do Mundo.
“Este grupo demora muito mais a procurar atendimento que o holandês médio. Eles não sabem quais são seus direitos, frequentemente são traumatizados, têm vergonha porque só podem pagar uma parte dos custos, têm muito medo de serem denunciados, não sabem que os médicos têm que manter segredo profissional. Estas pessoas estão aqui tentando sobreviver e só vão ao médico quando as queixas são muito graves.”
Pilha de contas
Uma jovem turca na sala de espera da organização Médicos do Mundo comprovou o problema. Em sua mão, uma pilha de contas: “Tenho 27 anos e venho da Turquia. Moro aqui há sete anos. Meu filhinho está com câncer e, depois de uma mediação, foi operado. Agora tenho que pagar contas que chegam a 33 mil euros e eu não tenho dinheiro, não tenho trabalho, não sei o que fazer.”
O elogiado serviço ‘amigável ao paciente’ do sistema holandês, portanto, não é sempre um refúgio para imigrantes sem documentos. Funcionários dos serviços de saúde nem sempre estão bem informados das regras existentes para estes casos. Ilegais doentes são muitas vezes tratados de maneira ríspida e o grupo é muito vulnerável para protestar. Ainda não há uma solução a vista.
RNW-Por Martijn van Tol
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