sábado, 3 de outubro de 2009

USA:Falemos, então, sobre racismo-Por Germano Almeida

O MELHOR ORADOR DO MUNDO


«Logo que o vi, senti que era uma das faces possíveis da América. A força dele reside no facto de não ser um descendente de um escravo do Sul. O pai era queniano. Isso muda tudo. Quer dizer que não reenvia aos americanos uma imagem culpabilizante, a imagem do país da segregação, do Ku Klux Klan, do esclavagismo. É um negro que joga na sedução» . Bernard Henry-Lévy, filósofo francês, sobre Obama
 Quando Barack Obama começou a colocar-se como o mais provável nomeado do Partido Democrata à corrida presidencial de 2008, surgiu a tese de que, na hora da verdade, ele iria perder por causa da cor da pele. A realidade ocupou-se de desmentir essa ideia a 4 de Novembro do ano passado – e com a maior vitória de um candidato democrata dos últimos 44 anos.
E agora, no exercício do cargo político mais influente do Mundo: será que o facto de ser negro tem contado? A resposta exige dois ângulos de visão: do lado do emissor, o Presidente, claramente não; da parte dos receptores, a opinião pública, continua a haver franjas (minoritárias) da sociedade americana que lançam a questão da raça para compensar a falta de argumentos.
Se é um facto que o salto histórico que constituiu a eleição do primeiro negro para a Casa Branca não provocou qualquer agitação social na América (o que, só por si, é já um dado extraordinário), também não vale a pena fazer da questão da raça um tema tabu – como se ela não estivesse latente sempre que se fala sobre o fenómeno Obama.
A pergunta que muitos fizeram parece revelar uma contradição: se a América é um país com uma longa história de racismo, como foi possível eleger um negro para Presidente?
A solução para o enigma está na enorme complexidade dos EUA. Na verdade, ambas as premissas da pergunta estão correctas. Como é óbvio, a América não deixou de ser, de um dia para o outro, um país onde existe racismo. Por outro lado, Obama não foi eleito «por ser negro».
Feitas as contas, é justo concluir que Obama teve muito mais ganhos do que perdas eleitorais com a cor da sua pele.

O menor dos 'handicaps'
Um estudo feito para a CBS News, em Abril de 2007, identificava a existência de uma micro fatia de quatro por cento do eleitorado que se recusa a votar num negro... apenas por ser negro.
Sucede que esse número é inferior à percentagem de americanos que nunca votaria numa mulher (Hillary Clinton, nove por cento), num homem que se tenha divorciado duas vezes e esteja casado pela terceira vez (Rudy Giuliani, 12%), num candidato já com 72 anos (John McCain, 27%), ou num mórmon (Mitt Romney, 33%).
Moral da história: o grau de preconceitos dos americanos é tão vasto, que o enfoque na cor da pele de Obama se revelou redutor. Afinal, os outros candidatos até tinham características potencialmente mais comprometedoras...
No início do duelo Hillary/Obama, a jornalista e escritora Anne Applebaum observou: «Creio que a sociedade americana está mais preparada para eleger um negro do que uma mulher». Acertou em cheio.
O mais importante será perceber que, ao contrário do que muitos achavam, o facto de ser negro não impediu Obama de ver concretizado nas urnas a mobilização inédita que foi capaz de liderar. E isso (como Barack destacou em várias intervenções) só podia ter acontecido na América.


Meio negro, meio branco
Não faz muito sentido entrar na discussão de saber se Obama é «mais negro ou mais branco». Filho de um negro queniano e de uma americana branca do Kansas, teve uma educação maioritariamente branca (com a mãe e, sobretudo, com os avós maternos).
No Havai, conviveu com meninos de várias proveniências, pelo que a sua cor nunca foi factor de discriminação. Já em Columbia e, sobretudo, em Harvard foi diferente: Barack foi o primeiro negro a dirigir a Harvard Law Review e conta, nos livros «A Audácia da Esperança» e a «A Minha Herança», que passou por crises de «identidade racial» na adolescência.
Houve, no entanto, duas escolhas que terão sido fundamentais a «definir» Obama como um negro: o trabalho comunitário em zonas pobres de Chicago e o facto de se ter casado com Michelle.
Voltaremos ao tema da raça no próximo texto – com a análise ao discurso de Filadélfia, talvez o melhor da vida de Barack Obama, momento decisivo na travagem do caso dos sermões inflamados do reverendo Wright.
ABOLA.PT-Por Germano Almeida(Jornalista de A Bola e autor do blogue CASA BRANCA)

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