quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

CV DIÁSPORA:PRESTÍGIO DE CABO VERDE NA ARENA INTERNACIONAL DEVE-SE AO 13 DE JANEIRO

Roterdão, 20 Janeiro-Os cabo-verdianos na Holanda assistiram na cidade de Roterdão a um verdadeiro curso intensivo sobre a história recente do País numa magistral palestra preferida pelo professor Jorge Carlos Fonseca.
Após cumprimentar os presentes e manifestar sua solidariedade à família dos cabo-verdianos recentemente falecidos na Holanda, começou Jorge Carlos Fonseca por dizer que era a sétima vez seguida que participava em cerimónias comemorativas do 13 de Janeiro na qualidade de “militante da democracia, do Estado de direito, da liberdade, das liberdades” e com “orgulho de pertencer a uma terra e de partilhar e comungar de seus valores essenciais.”
Em seguida referiu-se a um jovem quadro que em Lisboa lhe teria dito que o 13 de Janeiro era uma simples data de umas eleições e que não havia heróis, nem rostos se compararmos com o 5 de Julho. Discordou Jorge Carlos Fonseca como a afirmação dizendo que o Dia da Liberdade e da Democracia não é pleonasmo como pretendeu o jovem quadro de Lisboa, mas sim o Dia da liberdade e da Democracia, conquistadas, assim, quase dezasseis anos após a independência nacional, já que esta, por razões muitas e complexas, históricas, ideológicas e políticas não realizou as aspirações do povo cabo-verdiano à liberdade.
Continuou dizendo que o 13 de Janeiro foi o dia primeiro e decisivo do exercício, pelos cabo-verdianos, da soberania popular, para livre escolha de seus representantes. O " Primeiro acto de amor pela Liberdade e com a Liberdade."
PARTIDARIZAÇÃO DE DATAS
O Palestrante disse que as datas importantes como 5 de Julho e 13 de Janeiro são de todos, porque é a conquista de todo um povo, dentro e fora do país, com contribuições naturalmente desiguais. Razão por que ela deveria constituir, como, aliás, o 5 de Julho, motivo de celebração por todos, os cidadãos (condição – a de cidadania democrática» - que, em rigor, e na sua plenitude, apenas foi conseguida na materialização do ideário do 13 de Janeiro), os partidos que, afinal, a democracia veio permitir que tivessem existência, mas igualmente as instituições do poder político soberano e democrático, investidas pelo povo soberano no dever de promover e defender os ideias da democracia e da Constituição.
PRESTÍGIO DE CABO VERDE NA ARENA INTERNACIONAL DEVE-SE AO 13 DE JANEIRO
A esse respeito disse Jorge Carlos Fonseca que ninguém de “de boa-fé e com uma informação mínima ignorará que a credibilidade do País, o seu reconhecimento no plano internacional, o prestígio da sua democracia se devem, em grande medida, ao 13 de Janeiro e ao que imediatamente se lhe seguiu, e por que não dizê-lo, à acção do I Governo da República democrática. Continuou a sua alocução dizendo que com a chegada da democracia no País houve condições que potenciaram o desenvolvimento do País: “democracia económica, a abertura do mercado aos investimentos privados, designadamente externos; um quadro legal e institucional adequados ao desenvolvimento. Um trabalho notável de arquitectura e engenharia jurídicas reconhecido mesmo pelos que, na altura ou depois, se opunham ao novo Governo dos primeiros tempos da II República.” E que por isso a liberdade e a democracia em Cabo Verde não eram, pois, resultado de mera outorga ou concessão como sugerem a mitigada presença que o processo de luta pela liberdade e pela democracia ainda tem tido nos meios de comunicação social, as poucas obras dedicadas ao seu registo e estudo, a mínima relevância dada à efeméride que hoje aqui nos tem reunidos pelos manuais ou escritos escolares, enfim, a perspectiva quase dominante que os poucos estudiosos que a ao tema se têm dedicado e que se traduz na ideia de uma espécie de mudança na continuidade.
O Palestrante continua dizendo que “os factos demonstram coisa diferente, uma ruptura concretizada numa mudança de regime, plasmada rigorosamente na ruptura, em sentido material, em que se traduziu a nova Constituição de 1992”.
CONTRIBUTOS PARA A INSTAURAÇÃO DA DEMOCRACIA
O professor disse que o 13 de Janeiro deveria marcar o corte com, quiçá, uma atitude extremada de pudor político de uns e uma intencionado escamoteamento de outros, que têm levado a silenciar ou a relativizar a luta de muitos anos pela liberdade e pela democracia, levada a cabo por muitos anónimos mas igualmente por mulheres e homens com rosto, com nomes e que se perfilam como, diríamos mais uma vez, os combatentes pela liberdade na Pátria. E que por isso devemos saudar e homenagear estes lutadores que, como os «Combatentes pela liberdade da Pátria», merecem a simpatia, o louvor e o reconhecimento dos cabo-verdianos e sem os quais não teria havido a irrupção democrática que veio a culminar nos resultados de 13 de Janeiro e tudo o que se lhe seguiu e que eram muitos e que por isso não iria os citar porque causaria injustiça não me lembrar de muitos deles.
Continua na mesma linha discursiva dizendo que “Saudemos igual e justamente os principais protagonistas do movimento político e social que corporizou as aspirações da sociedade cabo-verdiana à liberdade, à democracia e ao desenvolvimento e que veio a traduzir-se num imenso movimento para a democracia, liderado por Carlos Veiga”. E que não percebia porque não havia em Cabo Verde uma ordem da liberdade e da democracia, como havia ordens honoríficas a pautar o merecido simbolismo da luta pela independência e os heróis nacionais.
13 DE JANEIRO-A VIRAGEM
Para Fonseca o 13 de Janeiro marca “o ponto de viragem em Cabo Verde” que se corporizava na Constituição de 1992. E que era sua convicção a “expressão de um pensamento hoje largamente sufragado um pouco por todo o lado, de que é a Constituição, lei fundamental da ordem jurídica nacional, estatuto jurídico do político, mas, sobremaneira, fundamento e limite do poder e do seu exercício, de tal sorte que lícito seria dizer - como não tenho cansado de repetir - que não existe democracia fora da Constituição e nenhuma vontade pode prevalecer contra a Constituição”.
13 DE JANEIRO-A CAMINHADA
O convidado do MpD Holanda disse que não podemos esquecer que, depois dos acontecimentos de 1979 e 1980, designadamente com o golpe de Nino Vieira em Novembro de 1990, e mais visivelmente a partir dos meados dos anos oitenta, de sinais de «abertura» e de suavização do regime de então. Citou alguns como: “os da realização de evento comemorativo dos 50 anos da revista Claridade, em Mindelo (1986), as listas de deputados em 1985, com a inclusão de algumas personalidades independentes; o Congresso do PAICV de 1988, o debate sobre a sociedade civil, o célebre e único programa de debate político na Rádio Nacional (com Júlio Vera-Cruz), com J. Manuel Pinto Monteiro – o único que não era próximo do regime, visto como opositor político na altura), Manuel Veiga e António Lima; a ideia extroversão da economia, as leis de investimento externo e sobre política industrial, após a revisão de 1988. No entanto salientou que tinha tratado mais de soluções tendentes a encontrar equilíbrios nas relações de força no interior do «bloco do poder.” Salientou Jorge Carlos Fonseca que era verdade que o processo de transição democrática tinha sido curto e exemplar, como se reconhece dentro e fora do país. Continuou dizendo que também deve-se reconhecer que o processo não tinha sido isento de dificuldades, contradições e confronto, sendo, pois, de alguma forma redutora a ideia, expressa por Aristides Lima, que tal se tinha devido a uma gestão leal do processo por parte do PAICV. Para melhor explicitar o seu raciocínio citou o pensador Togolês, Fafali Koudawo, que dizia que «a democracia não foi outorgada à sociedade civil nem o direito de existir foi oferecido de bandeja à oposição política…» A chamada «abertura política» deu-se no momento em que se deu «… em grande parte por vontade de antecipar os acontecimentos», numa postura em que, realisticamente, «… não é certo que a ideia não fosse também a de organizar uma transição rápida para não perder o poder » conclui essa parte, Fonseca dizendo que “sendo, porém, os resultados simplesmente diferentes das expectativas iniciais.
13 DE JANEIRO- O CONTEXTO
Jorge Carlos Fonseca falou sobre as pessoas e organizações fora e dentro de Cabo Verde que lutaram e que por isso ninguém deverá ignorar o papel importante do ambiente internacional para a «irrupção democrática», mas igualmente é indiscutível que a sociedade cabo-verdiana postulava há muito uma saída democrática.
Para exemplificar citou o professor actos que contribuíram para a abertura política e instauração da democracia no País como: “Bolsas de resistência em 77; o movimento dos chamados «fraccionistas» ou «trotskistas» e o abalo e desorientação que causaram no interior do regime, aprofundados pelos acontecimentos de Novembro de 1980 em Bissau; a crise, as manifestações populares e o verdadeiro estado de sítio instaurado temporariamente em Setembro de 1979 na Brava, o 31 de Agosto em Santo Antão, as movimentações e denúncias levadas a cabo pelos CCPD (Círculos Cabo-Verdianos para a Democracia), pelo GRIS(Grupo Revolucionário de Intervenção Socialista, de curta duração) e pela LCDH (Liga Cabo-Verdiana dos Direitos do Homem), e as prisões de activistas na Praia por ocasião da divulgação do projecto de Constituição de 1980, o papel da Igreja Católica e do Terra Nova.
O orador mencionou também o trabalho militante de segmentos da UCID em particular na emigração, e em Cabo Verde “o inconformismo e as denúncias feitas pelos advogados reunidos no IPAJ” de entre os muitos eventos que contribuíram para que houvesse abertura politica.
13 DE JANEIRO- O PAPEL DO MpD
O convidado de honra do MpD Holanda disse a este propósito que “a dinâmica impressiva do processo de formação e consolidação do MpD traduzia a exigência de celeridade da Mudança por parte dos actores políticos e sociais. Continuou dizendo que a “emergência do MpD em Março, menos de um mês após o anúncio da abertura política foi um dos sinais de que a sociedade ao ver-se solta, mesmo que ligeiramente, não iria desperdiçar a oportunidade e muito menos deixar-se manipular no quadro das políticas de antecipação implementadas pelo PAICV”. E que o MpD acabava por isso, rápida e naturalmente, constituir-se em depositário das múltiplas e diferenciadas experiências políticas de contestação ao regime de partido único.
13 DE JANEIRO-OS GRANDES DESAFIOS DE CABO VERDE
Para Jorge Carlos Fonseca os grandes desafios do País para consolidar a Democracia eram a extensão e o aprofundamento da democracia, o aprimoramento do Estado de Direito, aquele que, radicado na ideia de dignidade da pessoa humana, tem como critério de validade e da medida do poder e seu exercício o Direito, ao serviço da Justiça. Também a afirmação cada vez mais incondicionada da cidadania cívica, cultural e social.
Continua dizendo que realizar os ideais do 13 de Janeiro era também assegurar o desenvolvimento equilibrado e integral do país, das suas ilhas, dos seus concelhos, e que nunca se esqueça o combate às assimetrias regionais e à marginalização de uns ou à hegemonia de outros, seja no plano económico, seja no plano político e cultural. O que, aliás segundo o professor, correspondia às tarefas constitucionais consignadas ao Estado de Cabo Verde. E que o país ganhava a sua identidade, o seu rosto, a sua credibilidade e força na riqueza de sua diversidade física, cultural, enfim, na pluralidade idiossincrática, também expressão e exigência das democracias autênticas.
13 DE JANEIRO E DIÁSPORAS
Falando concretamente dos Cabo-verdianos não residentes disse que o 13 de Janeiro era também realizar a «constituição da diáspora» na sua plenitude. E que em seu entender, a questão da participação, ou melhor, duma efectiva participação da diáspora na vida do país, devia ser vista numa dupla dimensão: A criação de instrumentos institucionais e incentivos económicos que propiciem a participação dos emigrantes na esfera política e económica do país e a definição de uma política diplomática firme e empenhada junto dos países de acolhimento.
Acrescentou contudo que estava convencido que as nossas comunidades só estarão afectiva, cultural e economicamente preparadas e engajadas no processo de participação política e de desenvolvimento de Cabo Verde se estiverem cada vez mais, melhor integradas nas sociedades de acolhimento.
Quanto ao actual sistema de participação política, pensa o professor Fonseca que acaba por “dar alguma satisfação, até se levarmos em consideração outras realidades com muito mais anos de história e de democracia que a nossa”.Contudo que uma questão importante seria saber se os emigrantes têm tirado proveito dos mecanismos que estão à sua disposição. E que não obstante a influência, decisiva, que os emigrantes tiveram nas últimas duas eleições presidenciais, a taxa de participação era ainda incipiente. Cita como exemplo as eleições legislativas e presidenciais de 2006 onde”em números absolutos houve crescimento de inscrições e de votantes, mas há aumento de abstenção”.
PARTICIPAÇÃO DOS CABO-VERDIANOS NÃO RESIDENTES NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS
Disse Jorge Carlos Fonseca que os cabo-verdianos no exterior deviam participar activamente e votar nas eleições legislativas e presidenciais.
Mas que sobretudo nas Presidenciais os não residentes deviam exercer o seu direito de eleger o Presidente de todos os cabo-verdianos residentes e não residentes: “nenhuma outra eleição justifica tanto a participação de todos os cidadãos”.
13 DE JANEIRO-A DEFESA DA CRCV, NO SEU NÚCLEO ESSENCIAL E IRREDUTÍVEL, É DEFENDER OS IDEIAS DO 13 DE JANEIRO.
Neste particular disse Jorge Carlos Fonseca que no seu entender o nosso Estado de direito e a democracia era um processo irreversível apesar das fragilidades da nossa democracia. Disse que ainda não temos cultura democrática consolidada, nem um poder judicial forte e independente, nem a sociedade civil como instância crítica dos poderes tem feito devidamente o seu trabalho. Mas que mesmo assim no seu entender “não há razões para descrer nas virtualidades da democracia, nem para pessimismo face a eventuais perigos ou ameaças ao sistema e regime de liberdades que conquistámos e em que temos vivido. Temos, sim, é de trabalhar para vencer os desafios que temos pela frente e que são o da qualidade da democracia, o do aperfeiçoamento do Estado de Direito e dos mecanismos de sua defesa; o do combate ao desemprego, particularmente junto dos jovens, pela via da transformação da economia do país em bases competitivas”. Falou ainda sobre o desenvolvimento, aperfeiçoamento do sistema educativo, na base de critérios e metas marcados pela qualidade, pelo rigor e pelo mérito; o do fortalecimento dos pilares do Estado de direito como o que deve ser constituído por um poder judicial forte, sério e independente; o do equilíbrio regional, da igualdade de oportunidades entre ilhas e regiões, condição fundamental da realização efectiva da democracia e garantia da coesão social; o da efectividade da Constituição, seus princípios e normas.
Acrescentou que tínhamos que estar atentos, “principalmente às dificuldades, reais ou imaginárias, que podem surgir ou ser-nos colocadas no caminho da afirmação e do desenvolvimento da nossa democracia, ter respostas inteligentes para elas, e não ceder à tentação de, por vezes, enveredar por soluções e métodos que, aparentemente, surgem com as mais fáceis, as mais pragmáticas, às vezes até como evidentes ou sedutoras na sua singeleza, mas que podem constituir perigosos desvios em direcção ao passado que quisemos ver definitivamente arredado em 13 de Janeiro.”
Para rematar disse que de resto com os seus altos e baixos, convergências e rupturas, é do domínio da evolução normal de um regime pluralista em processo de maturação. E cita os dados da Afrobarometer, 2005 que diz que a proporção dos que não acreditavam que “estamos em democracia passou de 6%, em 2003, para 2%, em 2005; grau de satisfação com a democracia: passou de 33% para 46% e diminuiu a percentagem de insatisfação: de 16% para 12%; e dois terços da população cabo-verdiana.
Avança o convidado mais dados ainda: “47% consideram-se bastante ou muito satisfeitos com a democracia cabo-verdiana e 71 por cento considera que CV é uma democracia completa (34%) ou com pequenos problemas (37%).”
13 DE JANEIRO-BIPOLARIZAÇÃO DO PAÍS
Socorre Jorge Carlos Fonseca da sondagem do Afrobarometer de 2008 para mostrar que o País político está fortemente bipolarizado.
Disse que o MpD e PAICV tinham 48% de simpatizantes cada e a UCID 17% mas somente em S.Vicente.
Por isso o Jurisconsulto diz que é “ fundamental a educação permanente para a Constituição, a democracia e a cidadania, a formação de dirigentes políticos, cidadãos, militantes de partidos, responsáveis de instituições públicas, policiais, magistraturas, estudantes”.
Apela para a “sofisticação crescente dos desafios postos hoje à legitimidade e autoridade do Estado de direito e à manutenção de suas instituições, dir-se-ia, à própria validade dos critérios da democracia exige igual sofisticação de apetrechos nas respostas e soluções, sem nunca esquecer que a democracia se defende com a democracia, sem se renegar a si própria”
Termina a sua intervenção lembrando que “o 13 Janeiro deve significar ter sempre presente que nada é mais valioso para nós que a liberdade” e com vivas ao 13 de Janeiro, a democracia, a liberdade, a Constituição da República e a Cabo Verde.
Na segunda parte do encontro houve um debate com a participação dos Presentes que questionaram Jorge Carlos Fonseca sobre vários assuntos e este respondeu a tudo com cortesia.
A tarde foi abrilhantada com momentos de música tradicional a cargo de músicos como: Américo Brito, Luís Fortes, Nhela D`Maria Caela, Paulo Bouwman, António Violão, Nando e outros.
Rádio Atlântico - Norberto Silva

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