Ex-deputado considera que o país precisa de datas unificadoras, em que se ponham de lado as diferenças partidárias.
Foi diplomata e nessa condição correu mundo.Enquanto deputado, ficou célebre o episódio no qual José Maria Neves o acusou de "falta de habilitações". Militante do MpD, no que toca às comemorações do Dia da Democracia, José Filomeno não se inibe de apontar o dedo até ao seu próprio partido: "O MpD não pode permitir que o 13 de Janeiro seja partidarizado".
O antigo diplomata e ex-deputado à Assembleia Nacional está contra a fórmula utilizada para assinalar o feriado do 13 de Janeiro, uma data que, entende, marca o início de uma "nova era" e que "faz parte da nossa história". Por isso mesmo, a efeméride deveria merecer uma "comemoração oficial", tal como acontece com o 5 de Julho. "Não se pode pôr o 13 de Janeiro em contraponto ao 5 de Julho. Ambas as datas têm muita importância para o país", considera.
Filomeno assinala a "não participação do Governo" e entende que tal dá a imagem de que o Executivo "não acredita nos valores da liberdade e da democracia".
O 13 de Janeiro, feriado nacional, marca a realização das primeiras eleições multipartidárias em Cabo Verde. Nesse dia, em 1991, o Movimento para a Democracia conseguiu uma vitória expressiva, que afastou o PAICV do Governo. A narrativa dos factos tem feito com que a data seja vista como pertença do MpD, o que é criticado pelo militante ventoinha. "Há uma excessiva partidarização da data, o que é uma grande pena", acredita.
"Os países necessitam de algumas datas nacionais que são dias de unidade e de reflexão. Há determinados dias em que as pessoas se esquecem que têm partidos políticos diferentes e uma visão do mundo diferente", acrescenta.
José Filomeno dá alguns exemplos de datas unificadoras, noutros países: "É assim o 4 de Julho nos Estados Unidos e o 25 de Abril, em Portugal". E lamenta: "é uma pena que aqui haja uma insistência em relacionarmos datas com determinados partidos".
Do 5 de Julho /ao 13 de Janeiro
"O 5 de Julho é o dia da conquista da soberania. Mas temos de admitir que a conquista da soberania não foi acompanhada de reformas, nem da liberdade individual e política de que o cabo-verdiano precisava para se organizar livremente", entende Filomeno.
Por isso, na sucessão de datas "unificadoras", o 13 de Janeiro surge como uma marca que "completa a ideia de liberdade", preconiza. "A 13 de Janeiro conquistámos a possibilidade de nos podermos expressar, de nos podermos reunir, de nos podermos organizar em partidos políticos".
Assim, "o 5 de Julho e o 13 de Janeiro são dias em que, necessariamente, temos de marchar juntos" e "não faz sentido nenhum que a Assembleia Nacional não celebre a data", até porque, reforça, "foi a sociedade que escolheu a via da democracia".
Nesse sentido, José Filomeno acusa o seu próprio partido de pouco fazer para que o feriado seja assinalado de forma oficial. "O MpD deve ser mais firme e mais veemente na exigência de que o Governo cumpra as suas obrigações e celebre essa data", reivindica.
Participação da Sociedade civil
Ao olhar para a actual sociedade civil cabo-verdiana, Filomeno acha que os níveis de participação "ainda são baixos". No seu entender, "em Cabo Verde assistimos a uma excessiva partidarização de tudo", o que deixa pouca margem para a participação política para lá do enquadramento partidário. Mas "a culpa não é dos partidos". A sociedade civil é que "deve reivindicar o seu espaço" e "dizer o que quer".
Longe da diplomacia e afastado do Parlamento, José Filomeno continua a manter um olhar atento em relação à vida do país e por isso não tem receio em afirmar que "Cabo Verde é uma sociedade onde falar dos trinta anos de percurso soberano" é ainda um "tema tabu".
"O cabo-verdiano parece viver o duplo condicionamento do fascismo e do partido único e não é muito propenso a associar-se, deixando no ar este silêncio perturbador".
Essa participação cívica, está convencido, "é um processo evolutivo", no qual o país perdeu "15 anos", durante o tempo de partido único. "Estaríamos hoje muito mais avançados".
Da mesma forma, José Filomeno olha para a vida parlamentar e vê nela o espelho do que é hoje a forma como o pluralismo é encarado no país: "o Parlamento é a casa mais atacada desta sociedade".
"Eu não diria que o povo de Cabo Verde não entende o sistema parlamentar que tem, mas existem ataques que soam a um apelo ao partido único e ao fim do multipartidarismo, como se as pessoas temessem o contraditório".
Por tudo, o seu sonho é a construção de uma sociedade "onde se possa discutir Amílcar Cabral, Carlos Veiga, os combatentes da liberdade e o processo da independência", sem "assuntos proibidos".
"Eu não exigiria à sociedade cabo-verdiana que tivesse agora a maturidade que tem a sociedade americana, nem a francesa, a inglesa ou a portuguesa. Mas exijo dos sujeitos a vontade de construir uma sociedade o mais democrática e plural possível, onde todos exercem a sua cidadania". A democracia "não é negociável", sentencia.
EXPRESSODASILHAS.CV-POR NAF
Sem comentários:
Enviar um comentário
Comentar com elegância e com respeito para o próximo.