segunda-feira, 12 de outubro de 2009

ECONOMIA CV:Entrevista com o Professor caboverdiano de Economia Paulo Monteiro Jr


Mestre em Econometria, pós-graduado em Economia Europeia e licenciado em Economia, sempre na Bélgica, Paulo Monteiro Jr, 64 anos, é bastante crítico face ao actual momento económico que se vive em Cabo Verde. Contrapõe dados de instituições financeiras internacionais para contrariar os avançados pelo Governo. Natural de São Vicente, já trabalhou na Comissão Europeia. É ainda assessor económico do Banco de Portugal e agora lecciona Economia na Universidade de Cabo Verde. As críticas que faz varrem todos os optimismos. Mesmo os mais moderados.

Os dados económicos apresentados pelo Governo de Cabo Verde "não têm credibilidade", diz Paulo Monteiro Jr. A situação real da economia é "má".

Há uma grande euforia do governo quanto aos elogios das organizações internacionais à boa gestão macroeconómica de Cabo Verde. Há razões para isso?
Com toda a honestidade, como economista e como académico, não, pelo contrário. Não há nenhuma razão para isso porque a situação, mesmo a nível macroeconómico, é muito preocupante para Cabo Verde, o mesmo sucedendo em relação à economia real. Não há nenhumas razões para essas apreciações positivas ou elogios.
E porque diz isso?
Basta vermos quais são os grandes objectivos da política económica em geral, o que os economistas chamam "Quadrado Mágico". Defende-se o crescimento económico forte, o equilíbrio das contas públicas, um défice sustentável das contas externas e uma taxa de desemprego relativamente baixa, de um dígito. Vê-se que, em Cabo Verde, qualquer um desses indicadores está com níveis muitíssimo preocupantes. Se virmos as projecções para 2009, elas apontam para um défice da conta corrente, o rácio do défice da conta corrente sobre o PIB, de 17,6%. Costumo dizer aos meus alunos, e isso vem nos manuais de Economia, quando esse défice atinge 6% já é preocupante. Quanto mais 17,6%! Quanto ao rácio entre o défice orçamental e o PIB, prevê-se que este ano aponte, segundo as últimas previsões, para 10,6%. Se tomarmos como valor referência o que ficou definido em Maastricht, que é de 3%, é mais do triplo. Cabo Verde tem um acordo de cooperação cambial com Portugal e que diz que irá respeitar os critérios de Maastricht. E o orçamento (de Estado para 2010) que apresentaram há dias prevê um défice orçamental de quase 12% (11,8%, segundo o Governo), quer dizer, o quádruplo do valor de referência de Maastricht.
A ministra das Finanças, Cristina Duarte, diz que é um défice com conteúdo de qualidade devido às despesas nos investimentos públicos...
Não, de forma nenhuma. Não é feita uma análise científica. Aqueles valores definidos em Maastricht, os de referência do défice e do PIB, não caíram do céu. Foram fruto de muita investigação na Comissão Europeia onde, por acaso, eu estava a trabalhar na altura. Não é o capricho de um economista que diz que o défice deve situar-se nos 3% do PIB ou que o rácio de dívida pública/PIB tem de ser 6%. Foi fruto de muita análise científica, com muito rigor, com muita macroeconomia por trás. O que a ministra disse não tem nenhum conteúdo científico a sustentá-lo.
E em relação à taxa de desemprego?
A taxa de desemprego em Cabo Verde estava, em média, à volta de 22%, e aumentou por causa desta crise.
Mas o Governo diz que se situa em torno dos 18%...
É impossível estar nos 18%. Os últimos dados oficiais apontam para 22%. Não podemos esquecer-nos de que, na ilha do Sal, o sector da imobiliária turística está parado. Parece que foi tudo bombardeado. O desemprego aumentou. O Governo foi buscar os 18% através de dados de há dois anos, quando contabilizaram o trabalho temporário e precário na agricultura dos meses da época das chuvas (Junho a Outubro), que é sazonal. A medição, se se fizer em Novembro, já será diferente. Numa análise económica rigorosa, e eu sou especialista em Econometria, tem de se expurgar aquela componente sazonal, porque é pontual. Não é honesto, quer do ponto de vista científico quer do económico.

A ministra diz que há "algo errado" com os critérios que o Instituto Nacional de Estatística (INE) utiliza para determinar a taxa de desemprego, pois alega que não é compatível haver uma taxa de desemprego de 18%, quando o crescimento da economia se situa nos 5%...

Bom, a taxa de desemprego é, efectivamente, de 22%. Para falar com o rigor de um economista, a taxa média anda a volta dos 23/24% e, em relação aos jovens, um em cada dois está no desemprego. É de 47%. Não há nada que venha a pôr em causa a metodologia do INE nisso. A metodologia de medir o crescimento do PIB talvez possa levar a que não se verifique uma relação empírica, a chamada Lei Okun, entre a taxa de crescimento do PIB e o emprego. Cada 3% do crescimento do PIB, no curto prazo, gera 1,4% de emprego. Esta é a Lei de Okun, uma muito robusta, que, por isso mesmo, assumiu o nome de lei, pois aplica-se em todo o lado. O crescimento em Cabo Verde não se tem traduzido em emprego e tem vindo a baixar. Este ano vai ser de 3,5%...
O Governo disse que projecta 4,5%.
Para este ano corrente? Não. Nos documentos que servem de referência, como os do Banco de Portugal e do Fundo Monetário Internacional (FMI), no relatório do World Economic Outlook (WEO) - revista de referência mundial, é na base de 3,5% para 2009 e menos de 3,5% para 2010 (o Governo prevê 4,5% para 2009 e 5% para 2010).
Mas o FMI concorda com a avaliação do Governo. Aliás, fez a sétima avaliação consecutiva positiva desde 2006. Mais, foram claros nos elogios às medidas tomadas...
O FMI não pode concordar com isso. Está tudo no WEO. É a bíblia da economia...
Pondo de outra forma: o FMI não desmente...
Bom, não desmente... Eu compreendo, já estive do lado dos doadores, sei como isso é.
O Governo assume que tomou um conjunto de medidas anticíclicas para combater a crise. O FMI disse que essas medidas foram não só correctas como atempadamente tomadas...
Bom, é preciso ver qual o critério para se medir a pertinência e a adequação dessas medidas. Um deles era reduzir o desemprego. Reduziu ou aumentou? Aumentou. Portanto, não estou a ver que essas medidas tenham atingido o objectivo. O que fizeram? Investiram muito capital intensivo. Fizeram algumas estradas em que é usada muito pouca mão-de-obra e muitas máquinas. São infra-estruturas materiais, físicas, que não têm nenhuma justificação económica de base. As estradas estão vazias a qualquer hora do dia. Isto reflecte uma certa filosofia de que o Governo está a fazer empréstimos, a endividar-se externamente de forma avulsa, pois não há uma análise custo/benefício subjacente para permitir atingir o objectivo, que é a criação de emprego.
Em que medida a crise mundial influenciou o desempenho da economia cabo-verdiana?
O mau desempenho já vinha de trás, das políticas económicas erradas que a crise só veio agravar. Por exemplo, antes da crise houve um "boom" no sector imobiliário turístico. Antes da crise, o Governo não soube "surfar" sobre a onda. Entrou em choque permanente com as Câmaras Municipais e com todos. Houve uma deriva em termos de negócio em torno disso e paralisou. Se há coisa que paralisa o investidor é a incerteza. A crise apareceu e, com um certo desfasamento temporal, as coisas pioraram. Mas o efeito da crise só vai sentir-se este ano, 2009, em Cabo Verde.
Através de que canais?
Ao nível do Investimento Directo Estrangeiro (IDE), que reduziu substancialmente (58% - dados do Governo) e da exportação de serviços de turismo e imobiliária turística (33% - dados do Governo), cujos valores também desceram muito.
Para terminar, como resume o estado da economia cabo-verdiana?
Como economista penso que, neste momento, está numa fase má, quer do ponto de vista macroeconómico quer do ponto de vista da economia real. Ou seja, as micro, pequenas e médias empresas, o problema da competitividade, do crédito, do desemprego, tudo isto não está bom. E os grandes indicadores macroeconómicos, como a balança de pagamentos, a situação das finanças públicas, o crescimento económico, estão aí. Qualquer economista lê e vê que há uma situação má. O défice da balança de pagamentos disparou fortemente, o saldo foi para 17,6% do PIB, o desemprego está acima dos 22%, o crescimento é de 3,5% este ano e, segundo o WEO, prevê-se que seja abaixo desse valor em 2010.
OJE/LUSA.PT-Por José Sousa Dias

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