terça-feira, 20 de outubro de 2009

EXPRESSO DAS ILHAS ENTREVISTA O DR ULISSES CORREIA E SILVA

EXPRESSO DAS ILHAS ENTREVISTA O DR ULISSES CORREIA E SILVA

Câmara Municipal com dificuldade para se relacionar com o governo (3.ª parte)

Na última parte desta entrevista com o presidente do município da Praia, falamos também do relacionamento com o governo. Ela não é boa, diz Ulisses Correia e Silva.
O edil fala também do projecto Casa para Todos e diz esperar que haja correspondência entre a declaração e a prática. "Fico no entanto preocupado quando não encontro na proposta de lei do orçamento do Estado para 2010 nenhum incentivo fiscal para o embaratecimento dos custos de construção das habitações ao contrário do prometido e escrito nas brochuras da Programa Casa para Todos", comenta. Confira.
Tem tido dificuldades no relacionamento com o Governo?
Tenho tido. Foi preciso mais de um ano para ter o engajamento do Governo para o financiamento da elaboração do PDM com verbas da Cooperação Espanhola. Em contraste, conseguimos de forma célere assinar um memorando de entendimento com a Parque Expo para o ordenamento e valorização da zona ribeirinha, do centro histórico e zona baixa da cidade.
Há vários meses que aguardo uma resposta do Governo quanto ao descongelamento que permita recrutar agentes para a Guarda Municipal e técnicos superiores para os diversos serviços da Câmara. Os sinais que recebi do Governo quanto aos projectos de requalificação das encostas de Achadinha, Vila Nova, Cobom e Fontom que apresentámos para co-financiamento são, no mínimo, preocupantes. Apresentei ao Senhor primeiro-ministro um programa de intervenção de emergência para a zona da Várzea e para a drenagem e correcção das falhas de construção do muro do Palácio do Governo no montante de 27 mil contos. Não há nenhuma resposta até agora.
As chuvas voltaram a pôr a nu as fragilidades da cidade em matéria do saneamento. No quadro deste orçamento, tem respostas eficazes para solucionar os problemas?
Este ano, actuámos com muita antecedência e com um plano de emergência que evitou que os estragos fossem maiores. Só na melhoria de drenagem, construímos 4.324 metros cúbicos de muros de protecção, movimentámos uma grande quantidade de terra em Safende, Castelão, Moínhos, Calabaceira, Pensamento, Fontom, Monteagarro, gastando mais de 16 mil contos. É evidente que se tratam de intervenções de emergência e que tiveram impacto muito positivo, mas limitado. Ao todo, gastámos este ano mais de 30.000 contos em acções de emergência. Mas Praia precisa de intervenções de fundo e que exigem muito dinheiro, mais de 600 mil contos que só podem ser mobilizados junto do Governo.
O governo declarou o ano de 2009 como o ano da habitação. Como é que está o programa de habitação social da Câmara Municipal da Praia?
Espero sinceramente que haja correspondência da declaração com a prática. Fico no entanto preocupado quando não encontro na proposta de lei do orçamento do Estado para 2010 nenhum incentivo fiscal para o embaratecimento dos custos de construção das habitações ao contrário do prometido e escrito nas brochuras da Programa "Casa para Todos". O Governo precisa de definir que tipo de material de construção de baixo custo é que terá isenção e que tipo de isenção fiscal e aduaneiro irá ser concedido e em que montante. Para além disso, do lado de quem vai comprar, é preciso ir para além da isenção do imposto de selo para eliminar, para as habitações de interesse social, todas as taxas e emolumentos que encarecem as habitações em cerca de 20%. Aqui o raciocínio não pode ser apenas de perda de receita potencial por parte das finanças. Os custos de não resolver com eficácia o problema da habitação, é de longe superior à perda de receitas fiscais. É preciso definir também a política de crédito para as habitações de interesse social, porque o mercado de habitação em Cabo Verde não está desenhado para um país cujo rendimento per capita anual não chega aos 3.000 dólares. E não estou a falar só de carenciados, mas também de jovens casais, funcionários públicos e trabalhadores com baixo rendimento.
Qual vai ser a intervenção da CMP no programa de habitação?
Primeiro o Governo tem que clarificar como é que se vai utilizar os 200 milhões de euros do empréstimo disponibilizado por Portugal para o programa de habitação. Qual é o papel dos municípios nisto tudo? Aprovámos na semana passada o regime de parceria público-privada para a construção de habitações de interesse social. Criámos um conjunto de incentivos para que empresas possam investir e colocar no mercado habitações de baixo custo dirigidos a jovens e a famílias de baixa renda. Os financiamentos para a aquisição das casas serão através dos bancos, no caso dos jovens e através de renda resolúvel, no caso de famílias mais carenciadas. Neste caso, a Câmara adquire as casas e disponibiliza-as por meio de contratos de arrendamento consentâneos com a capacidade de pagamento das famílias.
Quais são os incentivos e qual o valor das casas?
Para habitações de interesse social disponibilizaremos terrenos a custo zero e isentaremos os impostos e taxas municipais. Avançamos com valores indicativos de 2.000 contos a 3.500 contos, conforme a tipologia das casas. Esses preços incluem a infra-estruturação, os arranjos exteriores e o acesso a bens básicos como a água, esgoto, electricidade e comunicações. Nos próximos dias vamos colocar a proposta do regime de parceria à discussão pública de forma a recolher contributos para a fixação da versão final que penso apresentar para aprovação da Assembleia Municipal, no mês de Dezembro.
Se bem entendi, vai gastar cerca de 280 mil contos em 2010, com os salários dos cerca de 850 funcionários que a Câmara tem. Entretanto, o vosso orçamento global quase chega aos três biliões de escudos: isso não significa que os funcionários têm salários muito baixo?
É mais do que isso. Deve incluir, para além das remunerações fixas, as variáveis e os descontos para a segurança social. Perfaz 365 mil contos e representa cerca de 30% do orçamento de funcionamento. O recenseamento que fizemos, apurou, até finais de Setembro, 775 trabalhadores. Dá uma média de cerca de 39 contos mensais para cada trabalhador. Mesmo que fizer as contas só com as remunerações fixas, chegará a um valor médio de cerca de 30 contos mensais. Se tiver em conta que 70% dos trabalhadores da Câmara são ajudantes de serviços gerais, operários, guardas e condutores, chegará à conclusão de que, globalmente, a Câmara não pratica salários baixos. O que existe é um grande desequilíbrio derivado da própria estrutura da Câmara: poucos técnicos com um nível salarial acima da média da administração pública e muitos trabalhadores não qualificados com salários individuais relativamente baixos.
A Câmara Municipal procedeu, recentemente, ao recenseamento dos seus colaboradores: quais são as conclusões deste recenseamento?
A primeira conclusão, é de que a Câmara tem uma estrutura extremamente desequilibrada. Como eu disse, 70% dos trabalhadores não são qualificados, contra apenas 2,5% de técnicos superiores e 3% de técnicos profissionais. A maior parte do pessoal (56%) é assalariado eventual e cerca de 26% é contratado a termo. É evidente que não se pode conceber, implementar e controlar com eficiência e eficácia, políticas, programas e projectos inovadores e transformadores com este quadro de pessoal. A segunda conclusão é que é preciso mudar, reduzindo pessoal, externalizando serviços e dotando a Câmara de capacidade técnica e operacional de bom nível.
Há funcionários a mais ou estão mal distribuídos?
Esse é outro dos desequilíbrios. Encontrámos 51% do pessoal da Câmara na área do saneamento e no entanto a cidade estava muito suja. Encontrámos na direcção do saneamento, um director, um técnico e cerca de 500 trabalhadores não qualificados. No entanto, há défices enormes nas outras áreas.
Vai avançar com a política de reestruturação do pessoal?
Sim. Não há outra alternativa e esta questão tem que ser atacada sem demagogia. A missão principal da Câmara é promover a qualidade de vida dos munícipes e tornar a cidade atractiva para residir, investir e visitar. Isto só pode ser conseguido com investimentos a nível urbanístico, do ambiente e saneamento, da habitação, da inclusão social, mas também da cultura e da economia da cidade. Esta é a primeira restrição: não podemos transformar a Câmara num centro de emprego, gastando uma grande parte do dinheiro no pagamento de salários e ao mesmo tempo responder às demandas crescentes de investimentos necessários. Uma coisa prejudica a outra.
A segunda restrição é que a Câmara precisa de melhorar significativamente a sua capacidade técnica e distribuir muito melhor os seus recursos para colmatar défices em áreas tão importantes como o planeamento e a gestão urbanística, os serviços de atendimento, a gestão financeira, fiscal e patrimonial e a autoridade municipal. Isto quer dizer que temos que fazer investimentos em recursos humanos nessas áreas.
Como é que vai ser feita a reestruturação?
Há serviços que vão ser extintos como a Direcção de Fiscalização e a Direcção de Oficinas e Máquinas e externalizados, como a recolha e tratamento de lixo. Vamos utilizar vários instrumentos para essa reestruturação: o abandono voluntário, a reforma antecipada e a reclassificação e reconversão profissional. Já temos os estudos elaborados e brevemente encetaremos a sua apresentação e discussão com os trabalhadores e com os sindicatos.
 Segurança: defendeu a ideia da Guarda Municipal. Em que pé está o projecto?
Defendi e estamos a trabalhar nesse sentido. O regulamento da Guarda Municipal está aprovado, o concurso para a formação dos agentes foi lançado e está na sua fase final, temos no orçamento para o próximo ano verbas para o equipamento da Guarda Municipal e para a construção de um complexo de segurança municipal que vai integrar também os bombeiros.
Para quando o arranque efectivo desta polícia?
Primeiro trimestre do próximo ano.
Falemos agora dos terrenos, na Praia. Como estão as coisas?
Tomámos uma série de medidas para disciplinar, moralizar a questão dos terrenos e introduzir o respeito pela lei. Reduzimos as situações de especulação com o exercício do direito de preferência, não utilizamos os terrenos para pagar favores, dívidas ou aquisições por parte da Câmara a fornecedores. Encontrámos mais de 22 mil pedidos de lotes de terrenos e várias pessoas possuíam 2, 3, 4, 5 lotes que revendiam fazendo pequenas fortunas principalmente jcom os emigrantes.
No espaço de um ano, cerca de 15% do território da Praia ou foi vendido ou dado em concessão. Não havia preocupação nem interesse em disponibilizar aos praienses espaços livres, verdes e de lazer porque a prioridade número um era vender tudo o que é terreno, mesmo terrenos de privados vendidos muitas vezes a mais do que uma pessoa. É evidente que este quadro herdado é super difícil e eu sei que há algumas pessoas descontentes pelo facto de termos alterado o quadro mafioso e corrupto em que se navegava à volta dos terrenos. Muita boa gente vivia desses expedientes.
Mas reconhece que tem havido muitas críticas à Direcção do Urbanismo.
Algumas legítimas e outras não. Para aqueles que tentam forçar para actuarmos como na Câmara anterior, a nossa resposta é não. Há críticas fundadas e que têm a ver com a nossa capacidade de atendimento e de resposta. Precisamos melhorar substancialmente neste domínio. Também lhe posso adiantar que o melhor legado que vamos deixar à Praia é uma cidade ordenada e de crescimento e desenvolvimento planeado e isto não se compadece muitas vezes com a rapidez com que as pessoas querem resolver os problemas e interesses.
Vai implementar a política de construção sobre terrenos aforados, sobretudo para a camada mais pobre, ou tem outra melhor solução?
A resposta que queremos dar é via oferta de habitação a baixos custos por meio de renda resolúvel para as famílias de baixo rendimento, mediante critérios rigorosos e transparentes de selecção. É preferível que as pessoas tenham acesso à casa construída, num preço que podem pagar e construir na vertical, do que dar ou vender lotes individuais. Para já não há terreno que chegue para tantos pedidos de lotes, por outro lado, fica muito mais cara a infra-estruturação quando cada um quer construir à sua maneira. Não quero continuar a reproduzir o modelo que existe porque todos saem a perder.
Há bem pouco tempo foi actualidade uma possível obra na Praia. O tal projecto Enseada. Houve troca de palavras e desconhecemos, pelo menos, as decisões em torno dessa contenda. O que nos pode informar?
O que lhe posso dizer é que nós não solicitamos nenhuma autorização ao governo para dar concessão de terreno nenhum, por isso a resolução do Conselho de Ministros é ineficaz. Ficou também provado que a competência para ceder terrenos na orla marítima nas condições da portaria que o próprio governo citou, é da Câmara Municipal da Praia. Estamos a trabalhar o plano de ordenamento da zona ribeirinha da cidade com a Parque Expo e só depois desse plano é que iremos tomar a melhor decisão sobre os terrenos da Prainha e restantes da orla marítima, como é caso da Gamboa e da Quebra Canela.
EXPRESSODASILHAS.SAPO.CV

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