O Dia Nacional da Cultura (18 de Outubro) foi este ano comemorado sob o signo da tradição e as actividades centrais decorreram no Concelho de Santa Catarina. Ficou satisfeito com os resultados alcançados?
Manuel Veiga - Eu fiquei extremamente satisfeito. Naturalmente que nós sempre gostamos de fazer mais e melhor, mas confesso que as minhas expectativas foram superadas.
O Dia Nacional da Cultura teve vários momentos. Houve um momento de visitas para descobrir o pulsar da tradição lá onde se faz a cultura. Visitei vários laboratórios culturais. Fui a S. Domingos, fui a Nossa Senhora da Luz, que é um patrimônio importante. Em Santa Cruz, visitei a escola de música e de dança. No Tarrafal, o centro cultural "Pó di Terra" e a escola de cerâmica de "Trás-dos-Montes". Em Santa Catarina, Fonte Lima, onde existe uma longa experiência em cerâmica. Visitei também João Dias onde há uma experiência interessante de tecelagem feita pelo senhor Henrique, o qual tem trabalhos de qualidade e possui uma escola de formação. Estive também em Chã de Tanque para ver a recuperação de um património extremamente importante e que consiste na transformação de uma "Casa de Morgado" no Museu da Tabanka.
Portanto, fui a essas localidades para sentir o pulsar e depois quando eu receber projectos culturais para, imediatamente, localizar e saber com quem estou a tratar.
O segundo momento foi a exposição de alguns produtos culturais. Trouxemos exposições da Brava, da Boa Vista, de Santo Antão, de S. Vicente e, naturalmente, de Santa Catarina também.
Um terceiro momento foi o de reflexão. Porque nós achamos que no Dia Nacional da Cultura deveríamos fazer uma reflexão sobre temas importantes. A primeira reflexão foi sobre a língua, na Escola Técnica, com um público de estudantes; a segunda reflexão sobre as tradições culturais, no Liceu Napoleão Fernandes e que teve também um público composto por professores e alunos.
Houve ainda um quarto momento, o de Festival. Um Festival de Batuco, de konbérsu sábi e de Teatro. Foi com essas actividades que enchemos a Praça Gustavo Monteiro. Nunca esperava que pudéssemos ter tanto público, mas muito publico mesmo.
Um quinto momento foi o do reconhecimento daqueles que fazem a cultura tradicional. Homens e Mulheres como Nha Balila, Nha Nácia Gomi, Nha Manazinha que é de Santa Catarina, sendo a única mulher que toca gaita; outros como Codé di Dona, Antóni Denti d'Ouro, Txóta Soares, Séma Lópi, Antão Barreto e outros mais jovens como Manuel António Barbosa, Tomé Varela que é um grande estudioso das tradições culturais e outros que nós distinguimos nesse dia porque achamos que era preciso haver esse reconhecimento.
Para terminar, houve um sexto momento que foi o do anúncio de prémios culturais.
Nós criamos vários prémios sobre a cultura e escolhemos o Dia Nacional da Cultura também para distinguir aqueles que fazem cultura. Havia a Bolsa de Criação Cultural, com um montante de mil contos, um estímulo para elaboração e concretização de um projecto consistente no domínio da Cultura, qualquer que seja a área. Um outro prémio para a valorização língua cabo-verdiana, mas também o alfabeto cabo-verdiano, o tal ALUPEC que hoje é tão badalado (risos). Nós criamos o prémio precisamente para incentivar aqueles que escrevem, aqueles que estudam a língua cabo-verdiana. O montante é de 1200 contos, em que 800 contos constituem o prémio e 400 contos para editar o trabalho realizado.
Finalmente, um montante também de 1200 contos para várias modalidades, que denominamos de Prémio Pantera-Descoberta de Talento Jovem, com o objectivo de incentivar os que estão a iniciar, com um montante de 200 contos para cada modalidade.
No campo da música, por exemplo?
E não só. No campo da cultura em geral. Este ano não houve para a música mas sim para a literatura e para as áreas da tradição.Aliás foi um trabalho no domínio da poesia e um outro no domínio da ficção que venceram. O Prémio Pedro Cardoso foi atribuído ao José Luís Tavares, com uma colectânea de poemas em crioulo utilizando o ALUPEC, o alfabeto cabo-verdiano.
Um último momento do Dia Nacional da Cultura foi um grande desfile pelas artérias de Assomada com tabanka, com gente ligada a ferro e gaita, não me refiro ao conjunto Ferro e Gaita, mas sim com gente que toca ferro e gaita.
Portanto, isso é que foi o dia Nacional da Cultura.
Como Santacatarinense deve ter sentido um especial orgulho.
Nas palavras de encerramento, eu disse que, como ministro da Cultura, fiquei preenchido ao ver tanta participação, tanto entusiasmo no Dia Nacional da Cultura: A cultura que é o que de melhor temos depois dos recursos humanos. Fiquei, digamos, preenchido de satisfação ao ver o que se passou em Santa Catarina.
E porque sob o signo da tradição?
O Dia Nacional da Cultura foi criado em 2005. O primeiro ano de celebração foi em 2006, as festividades decorreram na Ilha da Brava, sob o signo de Eugénio Tavares que é o patrono da efeméride.
Em 2007 fizemos em S. Vicente, sob o signo da Claridade porque nós estávamos a celebrar o centenário da geração claridosa. Baltazar Lopes e Manuel Lopes completariam 100 anos de vida assim como Jorge Barbosa que se estivesse vivo teria completado 100 anos de vida, em 2005: idem para António Aurélio Gonçalves, em 2001. Então foi por isso comemorado o Dia da Cultura sob o signo da Geração Claridosa. Como tínhamos feito um simpósio na Praia, resolvemos que o Dia Nacional da Cultura fosse sob o signo da Claridade, mas em S. Vicente e Santo Antão, concretamente no Concelho do Porto Novo. Nesse ano, um intelectual da praça criticou o evento dizendo que o ministério da Cultura estava a dar mais atenção à cultura elitista.
Não entendo o porquê de criticar a Claridade como cultura elitista...
Porque acham que Claridade é cultura da elite cabo-verdiana e acrescentava: que já tínhamos esquecido da Nha Nacia Gomi, Antoni Denti d'Ouro ou Codé di Dona. Eu não concordei com a crítica, porque o centenário aconteceu naquele ano e nós tínhamos que celebrá-lo. Porém, eu tirei uma lição positiva da crítica e disse: por que não celebrar o Dia Nacional da Cultura sob o signo da tradição? Com efeito, a nossa cultura é tradicional mas é também moderna, é feita de inovação, de diálogo e de parcerias com outras culturas. Então, disse: por que não celebrar o Dia, virado para dentro e dar uma atenção especial à cultura tradicional? Foi assim que nasceu a ideia da celebração do Dia Nacional da Cultura, sob o signo da tradição.
Este ano foi em Santa Catarina porque é um concelho rico em tradições culturais, mas é claro que também existem outros concelhos igualmente ricos, mas repare: Santa Catarina é o terceiro concelho quanto ao número de população. Um concelho rico em termos de Tradição Oral e Tradição Cultural; e tínhamos ainda um outro condicionalismo favorável em Santa Catarina, porque temos dificuldades em celebrar o Dia Nacional da Cultura com todo o brilho, como fizemos em Santa Catarina, lá onde o ministério não tem estruturas. Em Santa Catarina há o Centro Cultural Norberto Tavares e foi fácil celebrar o Dia da Cultura com essa estrutura de suporte...
Está a pensar numa Ilha como, por exemplo, a do Maio...
Por exemplo, na ilha do Maio, dificilmente podia fazer um Dia Nacional da Cultura com o brilho que eu fiz em Santa Catarina. Quer dizer, eu não posso pegar nos equipamentos do Ministério da Cultura e transportá-los para a ilha do Maio. Em Santa Catarina, eu tinha o Centro Norberto Tavares. Aliás, eu encarreguei o Centro Norberto Tavares para fazer o programa do dia. Mesmo as distinções que nós fizemos foram sob proposta desse Centro. O Ministro da Cultura testemunhou o acto, mas o Centro é que organizou, praticamente tudo, naturalmente com o apoio do gabinete do Ministro da Cultura.
Porém, eu já lancei o repto a todos os presidentes de câmaras, dizendo que nos anos subsequentes, o Ministério da Cultura gostaria de receber propostas de municípios que estão interessados em acolher o Dia Nacional da Cultura. E quando recebermos as propostas, vamos discutir o programa com essa Câmara, mas ela tem que nos dar a garantia de ter as condições mínimas. Primeiro, tem que participar financeiramente, porque até esta nós é que arcamos com todos os custos das actividades. A efeméride de 2009 custou-nos quase 6 mil contos. Veja só os montantes dos prémios. Para as actividades, havia cerca de 2 mil contos. Isso foi tudo retirado do orçamento do Ministério da Cultura que, como todos sabem, tem poucos recursos. Por isso, com os municípios tem que ser em "joint aventure". Os municípios que apresentarem melhores condições financeiras para patrocinar as actividades em parceria com o Ministério da Cultura podem candidatar-se a receber o Dia Nacional da Cultura.
No caso de não receber candidaturas, vamos continuar a celebrar sempre esse dia, mas quando a escolha recair aqui ou acolá, que não venham depois com críticas.
Mas essa posição poderá levantar outra questão senhor ministro. Nessa linha de ideia, o Dia da Cultura poderá ser celebrado apenas nos concelhos com mais poder económico...
Não. Naturalmente que haverá critérios de selecção. Por exemplo, mesmo que a Câmara de Santa Catarina me desse todas as condições do mundo para celebrar o Dia no próximo ano, a candidatura não seria aceite. Das propostas que recebermos, na sua análise não vamos ter em conta apenas o aspecto financeiro, mas também o facto de nunca terem acolhido uma celebração do Dia da Cultura. Levaremos em conta a riqueza cultural do concelho, assim como o programa de celebração proposto pelos municípios.
Por Norberto Silva, em Holanda, em serviço especial
EXPRESSO DAS ILHAS
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