De novo os mais pobres ficam de lado. Quando em 1976 Muhammad Yunus começou seu banco de microcrédito em Bangladesh, o Banco Grameen, ele queria dar uma chance às pessoas de classes mais baixas para sair da pobreza. “Bancando os ‘inbancáveis’ ” – mesmo sem garantia todos podiam fazer pequenos empréstimos. Hoje, mais de 30 anos depois, o microcrédito é um sucesso mundial. Mas será que os mais pobres não estão sendo novamente esquecidos?
Microcrédito é hoje um grande negócio. Em todo o mundo, cerca de 150 milhões de pessoas trabalham com micro-financiamento. São mais de 10 mil organizações no setor, movimentando cerca de 12 bilhões de dólares. E isto é apenas o começo: a demanda por microcrédito parece interminável. 2,2 bilhões de adultos na África, Ásia e América Latina não poupam ou fazem empréstimos através de bancos.
Nos últimos anos, vários pequenos bancos de micro-financiamento (Micro Finance Institutions – MFI) cresceram e se tornaram grandes bancos comerciais. Em alguns casos, por conta própria, em outros ajudados por grandes investidores como Morgan Stanley, Citibank e JPChase.
O Consultative Group to Assist the Poor (CGAP) calculou em 2008 que cerca de 75% do investimento internacional em MFIs vai para a América Latina e leste europeu – regiões economicamente já mais desenvolvidas. Para MFIs em países mais pobres, a tendência é dar empréstimos a pequenas e médias empresas, e não aos mais pobres, porque isso dá mais lucro.
Abundância
Ylse van der Schoot, gerente da Oikocredit, um grande intermediário entre investidores e MFIs locais, também vê um crescimento explosivo no setor de microcrédito com o fluxo de dinheiro de investidores dos países ricos. É positivo que mais pessoas possam receber crédito, mas a entrada de grandes investidores faz com que Van der Schoot se preocupe. Em algumas regiões há abundância de oferta de empréstimos e isso em geral não é bom, porque o monitoramento e supervisão do mutuário é menor: problemas com dívidas estão à espreita, alerta Van der Schoot.
Fortalecimento
Criador do microcrédito, Muhammad Yunus queria uma abordagem diferente: não emprestar para ter lucro, mas dar às pessoas a possibilidade de sair da pobreza. Seu Banco Grameen é exemplo desta abordagem e é reconhecido por isso, além de ter muitos seguidores. Em 2006, Yunus e o Grameen receberam o prêmio Nobel da Paz.
As pessoas têm que ter oportunidade de desenvolver competências e habilidades: ‘empowerment’ (fortalecimento), como se diz no jargão da área. O fato de que estas pessoas possam obter um empréstimo já lhes dá auto-estima. Com alguma formação e acesso aos cuidados de saúde, elas mesmas podem conter a pobreza.
Raposa
De acordo com Yunus, este deve ser o principal objetivo. Ter lucro não pode ser o motivo para se investir em microcrédito. Recentemente ele disse que “quando você lucra, vai para o lado da mentalidade da ‘raposa’, e são justamente as ‘raposas’ que queremos tirar desta equação”. O Banco Grameen e MFIs similares procuram continuar aplicando este conceito na prática.
Pesquisa
Para uma indústria tão popular como a do microcrédito é surpreendente quão pouca pesquisa foi feita sobre o impacto dos pequenos empréstimos. Mas recentemente foram publicados resultados de dois grandes estudos realizados na Índia e nas Filipinas. Eles indicam que o microcrédito não torna uma família menos pobre. De 12 a 18 meses após a concessão do empréstimo, o nível de consumo se mantém o mesmo. As pesquisas não avaliaram os efeitos a longo prazo.
E nem todos os empréstimos levam ao início de uma empresa: na Índia apenas um em cada cinco empréstimos são para isso. Com frequência os empréstimos são usados como uma forma de ‘poupança às avessas’. Em lugar de primeiro poupar para depois fazer uma grande compra, as pessoas fazem o empréstimo e depois pagam em pequenas parcelas.
Panaceia
Os resultados da pesquisa comprovam que o microcrédito não é a panacéia contra a pobreza. Yunus e seus seguidores não negam: o microcrédito deve ser integrado a políticas de desenvolvimento. Não se pode ‘fortalecer’ pessoas de um dia para o outro, é uma questão de anos.
O dilema continua. Microcrédito para ajudar os mais pobres não é o mesmo que um novo objeto de investimento para grandes bancos. Mas o crescimento está justamente no lado comercial: atualmente, 47% dos pequenos empréstimos são a juros comerciais e esta porcentagem está crescendo rapidamente. Os mais pobres entre os 2,2 bilhões de potenciais clientes na África, Ásia e América Latina não irão se beneficiar muito com estas condições.
RNW-Por Laurens Nijzink
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