domingo, 18 de outubro de 2009

CV:"O EXEMPLO PORTUGUÊS"-Por Daniel Santos


"Neste quadro, faz-se necessário que o MpD, o PAICV e a UCID deixem os interesses partidários cair por terra e cheguem a um acordo, de preferência de índole parlamentar, a que se obrigam depois a cumprir, de molde a evitar que a fraudecracia se instale de vez no nosso sistema democrático e seja, pior ainda, uma técnica de designação dos governantes."
A temporada eleitoral portuguesa, que começou, em Julho, com as europeias, e concluída, domingo último, com as autárquicas, pode servir-nos de exemplo, a vários títulos. Sendo embora ainda muito jovem, pois começou a tomar forma, logo depois do 25 de Abril de 1974, com o derrube do regime salazarista, a democracia, em Portugal, já se consolidou e caminha a passos largos para a idade de maturação, a menos que os sujeitos políticos que a animam deixem de a ver, parafraseando Juan Linz e Alfred Stepan, como o «único jogo disponível na sociedade».
Enquanto forma de governo, a democracia é assaz falível. A história, desde os tempos afonsinos aos presentes dias, já o provou, bastas vezes. Se fosse perfeita, a democracia, seguramente, não existiria, como escreveu Hans Kelsen, em muitos ensaios, consagrados ao estudo da política. A sua falibilidade não a isenta de culpas. Mesmo assim, tal como a concebemos, hoje, a democracia apresenta-se, apesar dos vaticínios em sentido contrário, como um mal menor de entre os existentes.
Odiada, ontem, por Sócrates, Platão e Aristóteles e amada, hoje, pela generalidade dos pensadores, a democracia percorreu um longo caminho no decurso do qual se expôs a muitos perigos, um dos quais é, indiscutivelmente, a fraude eleitoral. É, também, verdade se dissermos que ela continua a ser o único espaço de que precisamos para combater, eficazmente, a batota, que se apodera, amiúde, das eleições e que, em consequência, desvirtua os resultados destas, os quais, em princípio, assim o entendemos, deveriam promanar da vontade dos cidadãos.
Em Portugal, o espectro da fraude eleitoral não se coloca, porque o Estado, em devido tempo, se dispôs a criar condições legais e políticas para a debelar, embora aqui e ali surjam alguns casos de irregularidades que não chegam sequer para enegrecer a transparência do sufrágio. Mal terminam as eleições, como as do último domingo, não se vê nenhum político a reclamar, nesta matéria, isto ou aquilo ou então, na pior das hipóteses, a pô-las em causa em razão da existência de situações menos claras que configurem a trapaça eleitoral.
Mas, no nosso país, as coisas são por demais complicadas. Já antes de qualquer eleição, raros são os políticos que não saem a terreiro para levantar o fantasma da fraude, por vezes, até com o intuito de amortecer os efeitos de um eventual desaire nas urnas. Em outros casos, porém, a democracia tem razões de queixa. Ocorrem-nos à mente as eleições presidenciais de 2001, que levaram Pedro Pires ao antigo palácio dos governadores coloniais.
Desde então, todos os actos eleitorais que se fazem, em Cabo Verde, estão sob suspeita, até ao dia em que o Estado crie um ambiente político-legal que não propicie a fraudecracia, que, infelizmente, é uma realidade, entre nós. A esta luz, mostra-se, de todo em todo, indispensável, o concurso do parlamento, enquanto sede do poder, dos partidos políticos, dos grupos de pressão e, de igual modo, dos cidadãos.
Neste quadro, faz-se necessário que o MpD, o PAICV e a UCID deixem os interesses partidários cair por terra e cheguem a um acordo, de preferência de índole parlamentar, a que se obrigam depois a cumprir, de molde a evitar que a fraudecracia se instale de vez no nosso sistema democrático e seja, pior ainda, uma técnica de designação dos governantes.
Pedro Pires deixou perder uma impar oportunidade de fazer história na política cabo-verdiana, em 2001. Em face do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que confirmou a fraude, em S. Nicolau, devia, a bem da democracia, devolver a palavra ao povo. Se o tivesse feito, estaria hoje em paz com a sua consciência política e daria então mostras de um enorme patriotismo e desprendimento do poder que só o fazia crescer em honras.
Mas, não o fez, porque a sua concepção da política e do poder não se quadra com a que existe, entre nós. É de uma escola política que não está habituada a conviver com a ideia de eleições livres e democráticas, razão pela qual preferiu ocupar, ainda que ilegitimamente, a Presidência a contribuir, de modo exemplar, para resolver a crise política de 2001, que pôs o país em polvorosa, sem que nada, absolutamente, nada o justificasse. Só o gosto pelo poder não explica o problema, podendo haver outros interesses em jogo, que se desconhecem.
Outro exemplo de Portugal e de demais países de igual regime político é a ideia, já agora enraizada na sociedade, de que não pode haver democracia sem debates à roda dos projectos, que se colocam ao exame do eleitorado. Já é altura de nós, os cabo-verdianos, interiorizarmos de que a nossa democracia passa por dias de angústia, devido, em grande parte, à inexistência de confronto de ideias dos principais actores que a sustentam: os partidos.
Os políticos, nem todos, claro está, têm medo de discutir. O actual primeiro-ministro recusou-se, em 2006, a ir à televisão debater com o então líder do MpD, Agostinho Lopes, os problemas do país, por, imaginem só, falta de tempo, sem esquecer que Pedro Pires fê-lo, também, alegando que Carlos Veiga tinha sido seu funcionário em tempos idos.
De desculpas em desculpas, estamos a (des) construir a democracia, em Cabo Verde. Os debates políticos constituem a alma mater ou, melhor ainda, o ponto alto de qualquer eleição, já porque servem para aproximar os eleitos dos eleitores, diminuindo o fosso que os separa, já porque podem levar que os cidadãos se interessem mais pelos assuntos da polis, já porque ainda permitem que o povo cruze os dados de que dispõe para poder votar em consciência.
Não cremos que agora haja motivos para que, nas próximas eleições, os debates não se realizem. Neves tentou inviabilizá-los, desde já, mas viu-se derrotado pela catadupa de reacções que surgiu, mal acabara de comentar o regresso de Veiga à política activa. A censura foi geral, mesmo nas hostes tambarinas. Agora, não há volta a dar, porque os dados já estão lançados e todos nós empenhar-nos-emos em ver os dois políticos a discutir e a propor na televisão as soluções, as mais variadas possíveis, caso as tenham, para os intrincados problemas do país.
Por outro lado, muito recentemente, Neves deslocou-se a Portugal para apoiar José Sócrates nas eleições legislativas. Chegou mesmo a discursar na Convenção do PS e convidou os cabo-verdianos a votarem no partido do seu amigo socialista. O seu apelo passou despercebido e caiu em saco-roto. Em verdade, os cabo-verdianos não o ouviram, a não ser o embaixador, pago pelo erário para representar o Estado, que, imprudentemente, o acompanhou à reunião do PS.
Sócrates perdeu as eleições, id est, não as ganhou como bem desejava, uma vez que não obteve a maioria absoluta e viu o Bloco de Esquerda duplicar, de oito para dezasseis, o número de mandados no parlamento. Não sabemos até que ponto os cabo-verdianos contribuíram para a vitória ou para a derrota do PS, por falta de dados científicos que nos possibilitem aclarar o problema.
O certo, em toda esta história, é que o discurso de Neves não produziu o efeito pretendido. Aliás, é conveniente que se diga que, por essa ocasião, os cabo-verdianos nem deram por ele por terras lusitanas. A sua viagem foi, politicamente, um autêntico desperdício, de recursos e de tempo, e, mais grave ainda se torna, caso se verifique que tenha sido feita às custas do Estado.
Não é aceitável, do ponto de vista do interesse de Cabo Verde, que o nosso primeiro-ministro se desloque, expressamente, a Lisboa em apoio a José Sócrates ou a outro político qualquer. Não o podia fazer, ainda que a ordem tenha vindo da Internacional Socialista, a que o PS e o PAICV pertencem. Ora, que terá pensado Manuela Ferreira Leite? Que terá pensado o PSD? Ao subir à tribuna para discursar, Neves terá pensado nas relações entre Cabo Verde e Portugal, caso o PSD vencesse as legislativas?
São perguntas para as quais ele não tem, por certo, respostas convincentes. Mas uma coisa parece evidente. A defesa dos interesses do povo de Cabo Verde não aconselha que os nossos políticos adoptem este tipo de comportamento, em qualquer lado por onde passem, e desaprova, inequivocamente, os alinhamentos político-ideológicos que a coloquem em causa.
EXPRESSODASILHAS-Por danielpedrosantos@msn.com; http://neydipedro.spaces.live.com/

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